Título: Da fúria cívica à ira contra a lei que regula a profissão
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Metrópole, p. C4

Vez por outra, tentativas de organizar e até legislar sobre o mercado do sexo provocam polêmicas animadas. Uma delas está em curso no Congresso Nacional. No ano passado, o deputado Eduardo Valverde apresentou um projeto de lei que pretende regulamentar a prostituição no Brasil - e criar a profissão dos "trabalhadores da sexualidade". O petista meteu-se em um vespeiro. Sua fotografia foi estampada em cartazes com os dizeres Coisa do Diabo, em cultos da Igreja Universal do Reino de Deus. Integrantes da Assembléia de Deus também andaram condenando ao fogo do inferno o deputado. Diante das críticas, o petista balançou. Anda pensando em retirar o projeto. "As pessoas admitem a prostituição velada. Mas não querem discutir o assunto diretamente", diz Valverde. O projeto de lei 4.244/04 - que já recebeu toda sorte de apelidos nos corredores do Congresso - prevê o acesso gratuito dos profissionais do sexo aos programas de saúde pública. E poderiam pedir registro nas Delegacias do Trabalho a prostituta e o prostituto, dançarinos que prestam serviço nus, garçonetes e garçons de casas cuja atividade secundária é o sexo, atores de filmes pornôs e massagistas. "São todos trabalhadores, não são? Então merecem a proteção do Estado", argumenta o deputado.

No geral, estabelecer limites sobre até que ponto o poder público pode interferir na indústria do sexo só é possível quando o abuso é evidente. Há duas semanas, o secretário da Coordenação das Subprefeituras, Walter Feldman, promoveu uma limpeza moral na cidade ao retirar outdoors e cartazes de casas noturnas, espalhados no caminho para o Autódromo de Interlagos. Um deles mostrava uma simulação de sexo oral entre uma mulher sentada no chão e um homem vestido com macacão de piloto da Fórmula 1. Três boates foram interditadas - e Feldman definiu a faxina como uma "fúria cívica".

Nos dias seguintes, Feldman só ouviu elogios pelas ruas. Mas tentar qualquer outro tipo de controle é um campo minado, porque pode esbarrar na liberdade da vida privada. "É um assunto delicado. Qualquer tipo de intolerância pode levar a conflitos insustentáveis. Não há nem mesmo mecanismos legais para tentar fiscalizar boa parte dessas atividades", analisa Feldman. Algumas iniciativas já partem do próprio grupo. Ex-garota de programa e dona de uma produtora de vídeos eróticos, Célia de Luna -que emprestou seu sobrenome, verdadeiro, para a amiga Cristal - desenvolve projeto de "segurança no trabalho" - uma cruzada que envolve o uso obrigatório de preservativos. "Proibir é hipocrisia. Então vamos tentar reduzir danos", diz ela.