Título: Tresoitão, o favorito do crime em SP
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Metrópole, p. C5

Revólver calibre 38, fabricado no Brasil, é a arma mais usada pelos traficantes de droga, ladrões e assassinos

É o revólver calibre 38 fabricado no Brasil a arma mais usada pelos traficantes de droga, ladrões e assassinos em São Paulo. E a distância entre a presença dessa arma e as de grosso calibre é tão grande que a soma de metralhadoras e fuzis encontrados nas mãos de bandidos não chega a 1% do total representado pelo popular "tresoitão". Esse é o resultado de uma pesquisa inédita sobre as 15 mil armas apreendidas na capital de janeiro de 2004 a setembro deste ano, depois, portanto, da aprovação do Estatuto do Desarmamento. O mesmo trabalho mostrou que essas 15 mil armas foram usadas em 26,8 mil delitos na cidade.

Em 16,3% dos casos, a arma foi usada em roubos e em 19,7% das vezes ela foi apreendida em virtude de porte ilegal. Em todos os crimes com armas de fogo, o perfil é o mesmo: predominância de calibres leves e armas de fabricação nacional. O roubo aos pedestres é o tipo de delito onde o revólver calibre 38 está menos presente. O ladrão que aborda as pedestres nas calçadas de São Paulo utiliza essa arma em 44,6% dos casos. Na outra ponta, é essa a arma que a polícia mais encontra com pessoas que resolvem dar uns tiros por aí sem objetivo aparente. São os chamados "disparos de arma de fogo", dos quais 67% saem do tresoitão.

MARCA

A marca preferida dos assassinos é a Taurus, cujas pistolas e revólveres são utilizados em 67% dos homicídios. O traficante de maconha é o que menos é pego com os produtos da fábrica (34,9%). No caso do tráfico de drogas, o uso de armas de grosso calibre, como espingardas, carabinas, submetralhadoras e fuzis, é menor do que se imaginava: em apenas 8,5% das prisões de traficantes armados havia esse tipo de armamento.

O autor da pesquisa, o coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, Tulio Kahn, é a favor da proibição da venda de armas no País e até participou do programa da frente parlamentar pelo sim no referendo sobre o tema. "Sabia-se até então que esse era o perfil das armas relacionadas aos casos de porte ilegal, mas agora os dados deixam claro que ele se aplica a todos os crimes."

Para Kahn, é importante notar que o criminoso usa no dia-a-dia armas nacionais e, em sua maioria, com numeração preservada. Toda arma tem um número de fabricação por meio do qual é possível saber quem a comprou. Raspá-lo é a primeira coisa que bandidos fazem ao se apossarem de armas, por isso as que mantêm a numeração geralmente tem origem legal.

Nesta década, os ladrões levaram dos donos em média 3 mil armas por ano na cidade. Uma amostragem revelou que o número de fabricação estava preservado em 47,4% do arsenal apreendido e raspado em 32,8% (no resto dos casos, não havia essa informação).

Para o professor Benê Barbosa, presidente da organização Viva Brasil, a explicação para a presença de tanta arma de baixo calibre e nacional nas mãos dos bandidos é outra: o contrabando. Segundo ele, elas são vendidas pelos fabricantes para a Bolívia e Paraguai, para lojistas de fachada que as reintroduzem no Brasil. Outro fator que as faz populares no País é o preço: as nacionais são mais baratas. Barbosa defende o não no referendo e está acompanhado pelo presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar de São Paulo, o cabo Wilson de Morais. Ele fez uma pesquisa com 3.200 dos 40 mil associados e descobriu que 85% deles apóiam a manutenção da venda de armamentos. "Essas armas são trazidas do Paraguai até por sacoleiros. Com um assalto, o bandido já paga."

Para Kahn, o estudo mostra por que as restrições às armas foram um dos fatores para a queda dos homicídios no Estado. Segundo ele, quando se vê que esses crimes são praticados principalmente com armas nacionais, entende-se a razão dessa influência.