Título: Depredação de Sumidouro não é uma exceção
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Vida&, p. A30

Na região, centenas de sítios já foram destruídos e as causas principais são ocupação humana e exploração mineral

A depredação do Sumidouro está longe de ser uma exceção na região cárstica de Lagoa Santa, que compreende pelo menos cinco municípios da área metropolitana de Belo Horizonte. Centenas de sítios arqueológicos e paleontológicos já foram destruídos, segundo cientistas e representantes do patrimônio histórico. As causas estão quase sempre associadas à ocupação humana e à exploração mineral, além da ausência de um plano de proteção das áreas. Uma das perdas mais significativas foi a de Lapa Vermelha, em Lagoa Santa, destruída pela atuação de uma grande mineradora na região.

O local foi explorado por Peter Lund antes de ele se debruçar sobre Sumidouro. Lá ele encontrou as primeiras ossadas fósseis da região. O desenhista Peter Andreas Brandt, que acompanhava o dinamarquês nas expedições, reproduziu o sítio em uma gravura de 1837, exposta no Museu de Ciências Naturais da PUC-Minas.

"Lagoa Santa não pode se dar ao luxo de perder sequer mais um sítio arqueológico ou paleontológico, porque o patrimônio local já sofreu danos demais", observa Walter Neves.

Para o superintendente em Minas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fabiano Lopes de Paula, a descaracterização dos sítios é resultado da falta de conscientização. "A região está bem descaracterizada", atesta. "Falta uma conscientização da importância. Muitas vezes o depredador não sabe da importância de um sítio arqueológico. Precisa é de investimento em educação, sinalização e manter uma certa vigilância."

Neves considera a região um ícone para os estudiosos da ocupação na América. "Pode-se dizer que ela é a 'grife' da pré-história brasileira."

Nos anos em que viveu na região, Lund encontrou mais de 800 sítios paleontológicos e descobriu milhares de fósseis de animais extintos nas suas cavernas. As ossadas humanas foram encontradas em seis sítios. Extensas coleções, que foram levadas para o Museu de História Natural de Copenhague.

CRÂNIO DE LUZIA

Os achados e as teorias formuladas a partir deles, porém, nunca receberam a devida importância da comunidade científica internacional. O reconhecimento só veio no final dos anos 90,com a conclusão dos estudos no crânio de Luzia - considerada até hoje a primeira brasileira e o primeiro fóssil humano das Américas.

Datada entre 11 mil e 11,5 mil anos, Luzia foi encontrada em Lapa Vermelha. A descoberta, pela expedição franco-brasileira que tinha à frente a arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire, completa três décadas neste ano. Neves e sua equipe da USP foram os responsáveis pela reconstituição do rosto da mulher pré-histórica.

"Só com a publicação dos resultados sobre Luzia e com o impacto que isso provocou é que a comunidade americana de arqueólogos e bioantropólogos foi forçada a admitir a existência do modelo de ocupação da América que eu vinha defendendo desde 1989", recorda o pesquisador.