Título: Drogas ativam o corpo contra câncer
Autor: Andrew Pollack
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Vida&, p. A27

Uma esperança real contra o HPV Novos remédios enganam o sistema imunológico, fazendo-o pensar que o corpo foi infectado, para estimulá-lo a combater a doença

No final do século 19, um cirurgião de Nova York chamado William B. Coley observou que, quando um de seus pacientes com câncer desenvolveu uma infecção bacteriana séria, o câncer desapareceu. Durante as décadas seguintes, Coley começou a injetar bactéria em tumores, com algum sucesso. Mas os resultados eram inconsistentes e os críticos ridicularizaram o trabalho e o chamaram de charlatanismo. "As toxinas de Coley", como eram chamadas, caíram no desuso com o advento dos tratamentos por irradiação e quimioterapia.

No entanto, descobertas recentes sobre o sistema imunológico aumentaram o interesse sobre os descendentes modernos das toxinas de Coley. Grandes fabricantes de remédios estão colocando dinheiro nesse investimento, inclusive a Pfizer e a Sanofi-Aventis, que fizeram apostas em um novo grande nome da biotecnologia, o Coley Pharmaceutical Group, ou Grupo Farmacêutico Coley, em homenagem ao cirurgião.

Em agosto, investidores compraram até 6 milhões de ações da Coley Pharmaceutical, avaliadas em US$ 16 cada uma, durante uma oferta de venda pública. A Coley fechou em US$ 18,52 a ação na terça-feira, 15,8% a mais em relação a sua oferta inicial.

A agitação está centrada sobre uma classe de proteínas humanas chamadas receptoras, cuja existência e função principal no sistema imunológico foram descobertas apenas nos últimos anos. As proteínas atuam como sentinelas moleculares, reconhecendo a presença de bactérias ou vírus e provocando o resto do sistema imunológico a reagir.

A Coley Pharmaceutical e muitas outras empresas atualmente criam medicamentos com a intenção de ativar essas sentinelas, basicamente enganando o corpo para fazê-lo pensar que foi infectado sem, na verdade, expô-lo a elementos patogênicos reais. O objetivo é estimular o sistema imunológico a combater o câncer, hepatites e outras doenças.

Quase todo grande fabricante de remédios "está pensando seriamente em comprar ou iniciar internamente um esforço do tipo receptor ", disse Kleanthis Xanthopoulos, executivo-chefe da Anadys Pharmaceuticals, empresa de biotecnologia de San Diego que desenvolve remédios que podem agir nos receptores.

A Anadys assinou um acordo em junho com a grande empresa farmacêutica Novartis para desenvolver drogas destinadas a hepatite B e C. A Anadys receberia US$ 20 milhões de adiantamentos e pagamentos atrasados que poderiam atingir até US$ 550 milhões se o remédio chegar ao mercado e atingir certos objetivos de vendas. Apenas um dia antes, a Novartis concordou em pagar a Hybridon, hoje chamada Idera Pharmaceuticals, mais de US$ 136 milhões para colaborar no desenvolvimento de remédios para alergia e asma.

E, em março, a Pfizer concordou em pagar à Coley US$ 50 milhões de início e mais de US$ 455 milhões depois pelos direitos de um remédio que mostrava alguns resultados importantes no tratamento de câncer de pulmão e hoje está prestes a entrar na fase final dos testes clínicos.

Um remédio que funciona por meio de receptor já está no mercado, embora tenha sido desenvolvido antes que os cientistas reconhecessem o papel que o receptor realmente fazia. O remédio, Aldara, da 3M, é usado como tratamento para herpes genital, assim como para uma forma de câncer de pele e outra condição pré-cancerígena. As vendas nos EUA no ano passado foram de US$ 211 milhões, segundo a IMS Health, uma empresa de consultoria e de dados sobre a indústria farmacêutica.

Em alguns casos, os fabricantes de remédios, em vez de ativarem os receptores, esperam bloquear os receptores como uma forma de restringir o sistema imunológico. Eisai, uma empresa japonesa, recentemente divulgou resultados de um teste clínico no qual um bloqueador reduziu modestamente a taxa de mortalidade de septicemia , uma reação exagerada e fatal do sistema muito comum.

Bloquear esse tipo de receptor também pode ser uma forma de tratar lúpus e outras doenças auto-imunes, nas quais o corpo ataca seus próprios tecidos, disse Douglas Golenbock, chefe do departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas da Universidade de Massachusetts e consultor da Idera e Eisai.

O principal remédio da Coley, o Promune, é um pequeno segmento de DNA que contém o padrão e a seqüência patogênica, mas que foi quimicamente estabilizada para sobreviver por mais tempo dentro do corpo.

Numa segunda fase no teste clínico que envolve 112 pacientes com câncer de pulmão, aqueles que tomaram o Promune durante a quimioterapia viveram por um período médio de 12,8 meses, comparados aos 6,8 meses daqueles que se submeteram apenas à quimioterapia.

Essa foi uma das maiores melhoras apresentadas por qualquer medicamente neste contexto. No fim deste ano, a Pfizer pretende começar a testar o Promune para o câncer de pulmão dentro da fase 3, estágio final de exame sobre o paciente antes de o medicamento ser encaminhado para a aprovação federal.

Num teste à parte contra o melanoma, no entanto, o Promune não foi eficiente. E o remédio tem efeitos colaterais, embora a Coley e alguns especialistas externos digam que são controláveis.

RESULTADOS: Na quinta-feira, foi divulgado que uma vacina contra os principais tipos de HPV, ou papilomavírus humano, está na terceira e última fase de testes por um grupo de cientistas liderados por uma brasileira. Os resultados preliminares apontam uma eficácia de 100% contra a maior causa de câncer no colo de útero, o segundo tipo da doença mais mortal para mulheres. Segundo a pesquisadora Luisa Lina Villa, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, nenhuma das voluntárias imunizadas teve lesões genitais, precursoras do câncer. Em teoria, nenhuma foi infectada pelo HPV. A certeza, porém, só virá com a conclusão da terceira fase de testes, que envolve 25 mil mulheres em 33 países, entre eles o Brasil.