Título: Obra no Rio São Francisco divide Igreja, políticos e movimentos sociais
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Nacional, p. A18

Em conversas com seus assessores, o bispo d. Luís Flávio Cappio tem dito que já marcou um ponto importante, que foi abrir o debate sobre a projeto de transposição do Rio São Francisco. Na verdade, ele foi além: expôs as profundas divergências existentes em torno da proposta. A idéia é apoiada pelos governos de quatro Estados - PE, RN, CE e PB - e vista com desconfiança por outros quatro - MG, SE, BA e AL. O primeiro grupo é formado basicamente pelos Estados que receberão água; e o segundo, pelos doadores.

O presidente Lula já tentou explorar essa divergência entre os governadores, dizendo que os mais ricos em água estão negando "uma cuia" para os mais pobres. O governador de Sergipe, João Alves, do PFL, não gostou: "O presidente está estimulando a cisão entre os nordestinos, criando um clima de ódio."

O tema é tão polêmico que pôs em campos opostos a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Movimento dos Sem-Terra (MST). Na opinião dos dirigentes da Contag, a transposição será "uma obra extremamente útil", que permitirá a desapropriação de mais de 350 mil hectares, às margens do canal, onde será possível assentar 25 mil famílias. Para os dirigentes do MST, o projeto só beneficiará as empreiteiras e o chamado agronegócio. Principal líder do movimento, João Pedro Stédile defende a realização de um plebiscito.

O conflito se estende à área acadêmica e, na semana passada, expôs fissuras no meio do episcopado católico. O projeto de transposição é tão ruim, na opinião de d. Luís Flávio, que inicialmente ele estava disposto até a morrer de fome, caso o presidente Lula prosseguisse com a obra. Foi imediatamente apoiado pelos bispos mais envolvidos com questões sociais, como o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), d. Tomás Balduíno.

No décimo dia da greve, porém, a direção do Conselho Regional Nordeste 2 divulgou nota criticando a greve de fome e apoiando a proposta de transposição. Aquela regional abrange três dos Estados que serão beneficiados pelo projeto - Alagoas, Pernambuco e Paraíba - e a sua direção já tinha se manifestado favoravelmente em outras ocasiões. O arcebispo da Paraíba, d. Aldo Pagotto, chegou a dizer que se trata de "uma bênção para o povo do semi-árido". D. Tomás reagiu à manifestação de seus colegas num tom alto e incomum entre os bispos. Acusou-os de "colaborar com as empreiteiras e o grande capital, que estão de olho nesta obra gigantesca".