Título: Pesquisa do Bird aprova programa do governo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Nacional, p. A15

Presença nas aulas cresceu 50% com o programa Segundo Banco Mundial, Bolsa Família é o mais bem focalizado nos pobres

ESTÍMULO: Como sempre fizeram os meninos da zona rural do Maranhão, Ari Marcelo Sampaio, de 16 anos, queria ir ao carnaubal cortar palha por uma semana, pela diária de R$ 10. Implicava perder uma semana de aulas, no entanto. E com elas os R$ 15 que a família recebe para cada filho na escola (até o teto de três),ao lado de R$ 50 de renda mínima, somando R$ 95 por mês. Por isso, a mãe de Ari, que está na 7.ª série, não deixou. Histórias como a de Ari estão se tornando comuns. Todas as mães com as quais o Estado conversou no município disseram que, para receber o benefício, sabem que têm de manter seus filhos na escola. A freqüência mínima é de 85%. "Às vezes, a gente vai pegar o aluno na casa de forno, na raspa de mandioca", diz Catarina Sales, diretora da Escola Marizinha Castelo Branco, no povoado de São Paulo, onde Ari e outros 193 alunos estudam. Catarina calcula que, com o Bolsa Família, a freqüência tenha aumentado 50%.A mesma estimativa foi feita por Bernarda Coutinho, diretora da Escola Municipal Infantil Tia Bernarda, que tem 327 alunos de 4 a 6 anos. Apesar do empenho das mães, da consciência das crianças e das estimativas otimistas das diretoras de escolas, o controle da freqüência e da evasão escolar ainda não parece fazer parte da cultura de Araióses. A secretária de Educação do município, Maria Albuquerque Lima, cunhada do prefeito, não tem na ponta da língua as estatísticas. Na semana passada, a técnica que cuida disso viajou para São Luís e levou a chave do armário onde estavam os números, e ninguém os sabia de cor. Na secretaria, a informação era de que esse levantamento é feito anualmente, e o de 2005 só sai no fim do ano. Já Antonio de Pádua Monteiro Silva, coordenador do Bolsa Família em Araióses, assegurou que a estatística é passada trimestralmente para o Ministério de Desenvolvimento Social, que gere o programa. Mas Monteiro também não tinha os dados. De acordo com ele, até agora ninguém perdeu o benefício por falta de freqüência. "Orientamos os diretores a conversar com as famílias." Fernando Dantas L.S. RIO O Bolsa Família é o programa social brasileiro mais bem focalizado na população pobre e miserável, segundo recente estudo do Banco Mundial (Bird), baseado na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2003. Uma parcela de 73% dos recursos do programa vai para brasileiros que estão entre os 40% mais pobres do País. A parte do bolo que chega a brasileiros entre os 20% mais pobres é de 44%. E só 14% são apropriados pelos 40% mais ricos, o que é pouco para o padrão de outros programas nacionais.

No extremo oposto, como exemplo de distribuição de renda na direção dos mais ricos, estão as transferências líquidas do governo para a previdência do setor privado e público. Trata-se do déficit previdenciário, que é quanto os aposentados recebem, descontado das contribuições que fazem. Desta forma, corresponde a quanto de fato o governo transfere para estas pessoas, e, neste sentido, pode ser comparado com as transferências do Bolsa Família, segundo Kathy Lindert, economista sênior do Banco Mundial (Bird), responsável pela pesquisa.

Uma parcela de 55% das transferências previdenciárias líquidas vai para os 20% mais ricos, 74% vão para os 40% mais ricos, e apenas 13% vão para os 40% mais pobres. Estes dados incluem a aposentadoria rural. Sem ela, a transferência de recursos públicos para os mais ricos seria ainda mais acentuada.

Um detalhe importante, observa Kathy , é que as transferências previdenciárias líquidas são mais de dez vezes superiores ao Bolsa Família. O déficit previdenciário em 2004 foi de R$ 63,7 bilhões, 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB). O gasto no Bolsa Família foi R$ 5,8 bilhões, 0,33% do PIB. "O dinheiro do Bolsa Família está chegando aos mais pobres", diz Kathy, que mora em Brasília. O Banco Mundial deu um financiamento de US$ 572 milhões para o Bolsa Família.

CONDIÇÕES

O ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, que assumiu o posto em janeiro de 2004, já com o Bolsa Família em andamento, logo se viu em meio a uma tempestade de críticas, quando questionou as condicionalidades do programa - as obrigações que as famílias devem cumprir para que o benefício não seja bloqueado ou cancelado. A principal é a de que as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos devem ter uma freqüência mínima de 85% da carga horária escolar mensal.

O Bolsa Família enfrentou muitos problemas com monitoramento da condicionalidade educacional. Um esforço foi feito para aprimorar o monitoramento, e o número de escolas que reportam a freqüência das crianças em famílias beneficiárias (com a informação chegando ao governo federal) saiu de 19%, no tempo do Bolsa Escola, programa que antecedeu o Bolsa Família, para 66%.

O outro problema, como observa o especialista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é o de "não se saber muito bem o que fazer quando se consegue controlar as condicionalidades". Cortar simplesmente o benefício da família que não as cumpre é, na sua avaliação, "como jogar uma bomba atômica sem nem ao menos ter tentado estabelecer relações diplomáticas com o outro país". A metáfora refere-se ao fato de que o corte do benefício aconteceria sem que houvesse interação com a família para tentar resolver o problema.

Agora, porém, o governo acha que encontrou um caminho, como explica Rosani Cunha, secretária nacional de Renda de Cidadania do MDS e gestora do Bolsa Família. Para os beneficiários que descumprirem a condicionalidade, haverá um procedimento padrão que vai de um aviso inicial até o cancelamento, passando por bloqueio (os recursos continuam a se acumular) e suspensão. Os primeiros bloqueios por descumprimento de condicionalidade devem acontecer dentro de algumas semanas, segundo Simone. As suspensões e eventuais cancelamentos devem demorar mais, já que os procedimentos sucedem-se com intervalos de tempo.

Rosani enfatiza, porém, que o foco do Bolsa Família não é cancelar benefícios. Ela diz que o programa deve justamente apertar o foco nas famílias que não cumprem as condicionalidades, pois podem ser as mais vulneráveis. A idéia é que os responsáveis pelo Bolsa Família articulem-se com os municípios para acompanhar mais de perto e intervir nessas famílias.