Título: Agenda do dia seguinte
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Nacional, p. A6

CPI dos Correios já prepara retirada 'propositiva' para não frustrar expectativas As idéias são muitas e já estão em debate entre senadores e deputados integrantes da CPI dos Correios, preocupados com a agenda do dia seguinte ao fim dos trabalhos da comissão, previsto para dezembro, ou para fevereiro, se houver prorrogação.

Uma delas, do senador Álvaro Dias, propõe a criação de uma instância - um conselho ou agência - em que governo e sociedade possam, juntos, tratar de questões relativas à corrupção, seja no âmbito do combate ou no da prevenção.

O senador mandou pesquisar mundo afora modelos de instrumentos de fiscalização compartilhada que não estejam submetidos a condicionantes políticas, como as comissões de inquérito do Parlamento, nem à hierarquia do Estado, como é o caso das controladorias já existentes no Executivo e que, os fatos apurados na CPI demonstram, nem sempre funcionam com a devida independência.

Seria uma espécie de controle externo anticorrupção. A proposta será apresentada por Álvaro Dias num dos próximos encontros do grupo. O primeiro ocorreu no terça-feira passada e reuniu o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, o relator Osmar Serraglio e os deputados Gustavo Fruet, ACM Neto, Onyx Lorenzoni e Arnaldo Faria de Sá, até o início da madrugada num restaurante de Brasília.

Conversaram sobre as etapas seguintes da CPI com a preocupação central de apresentar um resultado final que vá além da exibição de uma lista de nomes de acusados e indícios de ilícitos a serem mais profundamente investigados pelo Ministério Público.

"É preciso alterar o conceito distorcido segundo o qual se a CPI não prende, não serve para mais nada. Não podemos deixar que o aplauso da entrada nos desobrigue de, ao fim, fornecer uma sinalização competente para o futuro", diz Álvaro Dias.

Dentro desse espírito, foram feitas várias sugestões para a reforma política, combate de corrupção eleitoral e na administração pública, controles mais rígidos para lavagem de dinheiro, reformulação do Instituto de Resseguros do Brasil e melhoria do entrosamento entre órgãos de governo.

O deputado Onyx Lorenzoni propôs, e ficou encarregado de organizar, a realização de audiências públicas, ainda na vigência dos trabalhos da CPI dos Correios, com especialistas estrangeiros no tema corrupção. Citou o exemplo da Bulgária, onde, segundo ele, houve melhoria do desempenho interno e externo do país mediante a correção de deformações na administração pública.

O deputado Gustavo Fruet pôde observar a existência de várias delas na nossa estrutura de Estado e faz uma divisão em dois grupos: as restrições de ordem legal e as limitações de natureza cultural. Estas, relativas a condutas dos operadores da máquina, são corrigidas com o tempo e o aumento do nível de exigência ética da sociedade.

Mas as legais são perfeitamente passíveis de correção. Nesses meses de trabalho, Fruet pôde observar a inexistência de diálogo e entrosamento entre instâncias públicas. "O Banco Central tem um foco, a Receita Federal outro, nenhum dos dois fala adequadamente com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e ninguém fala com o Tribunal de Contas da União."

Uma modificação a ser proposta pela CPI, então, contemplaria uma forma de o TCU ter acesso a dados sigilosos para melhorar sua capacidade de fiscalização.

Houve, e ainda há, dificuldades de toda sorte enfrentadas na CPI, como a incorreção de dados fornecidos pelo sistema financeiro - "não necessariamente por má-fé" - e pelas operadoras de telefonia - "levamos três meses para padronizar o acesso à informação dos sigilos telefônicos".

Gustavo Fruet acha que a visão errática sobre os trabalhos das CPIs leva até a imprensa a cometer equívocos como "elogiar a comissão porque ela aprovou 70 requerimentos numa sessão", quando a verdadeira produtividade deve ser medida pelo resultado do exame dos dados em poder da comissão, como 360 contas bancárias e 200 mil ligações telefônicas.

E, alerta, é preciso cuidado com a afoiteza da cobrança. Cita como exemplo as contas de Duda Mendonça no exterior. Na opinião dele, a equipe encarregada de investigá-las nos Estados Unidos vai levar de dois a quatro anos para concluir a apuração. "Como no caso do Paulo Maluf, é a mesma equipe."

Na opinião dele, a CPI dos Correios precisará ter a "honestidade" de deixar isso muito claro à população a fim de que demoras necessárias não sejam traduzidas como ineficácia.

O senador Álvaro Dias vai na mesma linha e defende a necessidade de a CPI dos Correios ter a sabedoria de saber a hora de parar. "Na França, por exemplo, as comissões tomam os principais depoimentos e depois entregam os indícios à Justiça."

Ele é contra a prorrogação dos trabalhos além do prazo inicial de 15 de dezembro.

"É melhor terminar no auge'', diz, temeroso de que a prorrogação leve a comissão a se desgastar, perder a credibilidade e dar sustentação às constantes tentativas de desqualificar o resultado das investigações que, na visão dele, foram substanciais o suficiente para "mostrar o desenho de um esquema de corrupção envolvendo os Poderes Legislativo e Executivo e o setor privado".