Título: Desencanto com PT põe a política de pernas para o ar
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Nacional, p. A6

Militantes notórios da esquerda, como Heloísa Helena e Fernando Gabeira, já não se constrangem de festejar derrotas petistas de braços dados com ACM e Ronaldo Caiado

Deu a louca na política brasileira e os sinais estão por todos os lados. Alguns turistas que observavam o burburinho do Salão Verde da Câmara na terça-feira - e aproveitavam para tirar fotos com parlamentares conhecidos - tiveram uma surpresa ao ver os deputados Ronaldo Caiado (PFL-GO) e Fernando Gabeira (PV-RJ) entrarem de braços dados no plenário. O susto é compreensível. Caiado se notabilizou como líder ruralista e veste o figurino da direita. Já Gabeira cultiva a imagem de político moderno e de esquerdista atualizado. Os dois formam um par é o retrato desses novos tempos. Gabeira tenta explicar a convivência pacífica entre os dois. "Dezesseis anos depois, a queda do Muro de Berlim está chegando por aqui", diz. "A relação com a direita tem de obedecer a questão de princípios. Cada lado observa o seu. É diferente do que aconteceu com o governo, que buscou comprar a direita. A esquerda não é o bem absoluto, como já foi preconizado. Nem a direita é o mal absoluto."

A proximidade entre Caiado e Gabeira é apenas um exemplo da recente reviravolta dos costumes políticos. Há cerca de quatro anos, a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) teve uma briga violenta com Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). Hoje, a parlamentar radical comemora as vitórias sobre ao governo ao lado de ACM. Quando tenta quebrar a cara de alguém, o inimigo é sempre do PT, partido do qual foi expulsa em 2003. Os deputados petistas Eduardo Valverde (RO) e Maurício Rands (PE) já sentiram sua fúria.

Outro que virou de ponta-cabeça é o ex-senador Odacir Soares. Em 1992, no auge da crise que derrubou o presidente Fernando Collor, ele se destacava como um dos líderes da tropa de choque do Planalto na CPI do PC Farias. À época, ele era do PFL. Tudo mudou. Odacir agora é o vice-presidente em Rondônia do PPS, o herdeiro do PCB, o velho partidão de Luiz Carlos Prestes.

Também o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), causa surpresa. Segundo na linha de sucessão presidencial, ele pertence a um partido com apenas nove deputados. Em situação normal, jamais chegaria ao cargo, porque o presidente da Câmara deve ser do partido com a maior bancada. Mas a confusão produzida pela crise do mensalão abriu-lhe a chance da vitória.

Por inclinação ideológica, Aldo deveria ser materialista, mas é católico. E costuma pedir o socorro de Deus nos momentos graves, como na quinta-feira, durante briga no plenário entre Inocêncio Oliveira (PL-PE) e Arlindo Chinaglia (PT-SP).

SOCIOLOGIA

Há quem tente explicar tanta mudança. Para o deputado petista Paulo Delgado (MG), que é sociólogo, a origem do processo é realmente o PT. "Nós fomos totalmente ideológicos na oposição e decidimos não ser no governo. Com isso, liberamos todos do complexo de culpa doutrinário. Hoje, o que se vê é um clima de salve-se quem puder em todos os partidos, em todos os setores."

O presidente do PPS, Roberto Freire (PE), concorda que a barafunda foi alimentada pelo PT. "Do ponto de vista político, o governo Lula desestruturou a relação harmônica que havia entre os vários partidos. O PT aparecia como um baluarte da ética, da reserva moral. Era o fim de um ciclo e o início de outro. Mas o governo fez tudo ao avesso", disse Freire. "Isso provocou uma desorganização tão violenta que tudo foi desarrumado. O PT conseguiu fazer mal muito maior para a esquerda no mundo do que a direita, em todos os tempos."