Título: Em meio à crise, debate de programa perde o rumo
Autor: Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Nacional, p. A5

Ocupados com a turbulência política, petistas deixam tradicional discussão de projeto para o País em segundo plano

Até aqui ocupado em assimilar a crise, o PT sairá das urnas sem rumo programático claro. A discussão sobre seu projeto partidário e de poder foi profundamente prejudicada. O tradicional caderno de teses, coração do diálogo ideológico da legenda, com as propostas de cada chapa que disputou o Diretório Nacional, deixou de ser distribuído por falta de verba. >Cerca de 100 mil dos 825 mil filiados aptos a votar no Processo de Eleição Interna, o PED, participaram dos debates em crise de identidade, mais preocupados em encontrar uma saída para o furacão que atingiu a legenda. Escolheram teses e chapas 313.199 petistas, quórum pouco inferior ao alcançado no primeiro turno da eleição presidencial.

Montada a máquina do PT - composta por um Diretório Nacional de 84 membros, dos quais 24 compõem a Executiva - e repartido o poder entre cerca de 83 mil dirigentes no Brasil, o partido começa agora a preparar sua jornada a 2006 e renovar seus princípios. Tem um calendário de encontros e discute a realização de um congresso.

"Discutir o programa não é o próximo passo, é o passo absoluto", resumiu o presidente interino, Tarso Genro. "O PT terá que até março, quem sabe janeiro, fevereiro, ter de maneira muito clara um programa de transição para um modelo de desenvolvimento mais equilibrado do que o atual, que aproveite toda a extensão da estabilidade macroeconômica através de uma nova política monetária." A política de alianças também deve ser renovada "para dar sustentação estratégica à transição". "Essas tarefas só poderiam ser realizadas com o sucesso do PED, que dá legitimidade à nova direção", disse o presidente.

No dia 18 de setembro os petistas elegeram o que chamam de tese-guia para seu programa - 41,9% escolheram os ditames do Campo Majoritário, grupo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do candidato a presidente Ricardo Berzoini, que perdeu o domínio de 10 anos sobre a legenda. Em 2001, no último PED, foram 52%.

A esquerda e centro do partido cresceram e reuniram 58,1% do eleitorado. Ao todo, o PT tem dezenas de tendências internas, núcleos com comandos distintos, alguns de alcance regional ou municipal apenas. "O debate das teses mostrou que é preciso mudar (os rumos determinados pelo Campo)", afirmou Valter Pomar, da Articulação de Esquerda. "O que colocar no lugar não está claro." A nova direção, pregou o terceiro colocado na corrida presidencial, terá de "prosseguir na defesa do PT, preparar o partido para 2006 e retomar o debate programático". Ele destaca a necessidade de separar um projeto estratégico para as eleições majoritárias e uma renovação mais ampla do programa petista.

As correntes agregam-se nas chapas em torno das teses, todas preparadas antes do escândalo do mensalão. Francisco Rocha, coordenador do Campo, por exemplo, já admite mudanças no texto do grupo. "Pessoalmente, acho que devemos separar as alianças possíveis no 1.º e no 2.º turnos em 2006 e valorizar mais acordos com os partidos de esquerda no 1. turno."

A política de alianças - à qual a esquerda petista atribui grande parcela de culpa pela crise - é um dos principais temas de discussão. Em maior ou menor grau, todas as tendências propõem autonomia do partido em relação ao governo Lula. E como já deixou claro Tarso, a política econômica está no centro do debate.

ACORDO

Agora minoritário, o Campo conta especialmente com as correntes de centro para garantir o apoio incondicional ao governo Lula e recompor sua maioria. Líderes dessas tendências, entretanto, negam alinhamento "automático" e já discutem a formação de um bloco próprio. "Somos agora o fiel da balança entre a direita e a esquerda do PT", afirmou Romênio Pereira, do Movimento PT.

O centro topou inclusive negociar com a esquerda critérios comuns para repartir o poder na Executiva, que cuida do dia-a-dia do partido. A primeira proposta em negociação determina que o grupo derrotado hoje fique com a secretaria-geral do PT, segundo cargo na hierarquia petista. O candidato Raul Pont e a Democracia Socialista toparam o acordo. "Se eleito, não tenho restrição a que a secretaria fique com outra corrente, mas vamos avaliar isso mais tarde", disse Berzoini.