Título: PT começa a decidir com que cara tenta reeleger Lula em 2006
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2005, Nacional, p. A4

Em meio à crise, petistas voltam às urnas hoje para escolher presidente do partido que vai comandar a campanha do 2.º mandato

Ferido de morte pelo escândalo do mensalão, o PT começa a decidir hoje, na prática, com que cara vai se apresentar para a disputa de 2006. O que está em jogo no segundo turno da eleição petista, marcado para hoje, vai além da escolha do presidente do partido. O destino da maior legenda de esquerda, o tamanho da pressão sobre o governo e o tom do programa para a provável campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um novo mandato contornam a eleição, com voto dos filiados, na qual o grupo moderado perdeu a hegemonia política que mantinha há uma década.

Lula torce pelo deputado Ricardo Berzoini (SP), candidato do Campo Majoritário, que concorre com o gaúcho Raul Pont, da Democracia Socialista, apoiado por facções de esquerda. Depois do estresse com sua ausência no primeiro turno, em 18 de setembro, Lula garantiu a interlocutores que votará hoje. Com Berzoini na direção, ele não terá dor de cabeça para, mais uma vez, moldar o PT conforme os interesses do governo, de olho em 2006. Com Pont, enfrentará cobranças que vão dos rumos da política econômica ao leque de alianças.

Pragmático, Lula quer apressar o desfecho das CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão, livrar-se dos petistas acusados de envolvimento com o esquema de arrecadação ilegal de recursos e selar as alianças que julgar mais convenientes - seja com siglas envolvidas no escândalo ou não. Mais: já disse que não mudará a política econômica - como deseja a esquerda capitaneada por Pont - e, portanto, não quer saber do PT atazanando sua vida e dando sinais contraditórios ao mercado.

Em reunião com 66 dos 83 deputados do PT, na sexta-feira, o presidente mostrou otimismo. "O pior já passou", resumiu. Na sua avaliação, o governo saiu do atoleiro com a vitória de Aldo Rebelo (PC do B-SP), seu ex-ministro da Coordenação Política, para a presidência da Câmara. No encontro, no qual estavam presentes os acusados pelas CPIs dos Correios e do Mensalão - incluindo o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu (SP) -, os petistas tiveram a certeza de que Lula será candidato à reeleição. "Temos de aproveitar o bom momento que estamos vivendo", pediu o presidente. "Vamos fazer uma disputa política sem permitir embaraços."

A preocupação no Palácio do Planalto, hoje, é tirar o foco da crise do governo, mesmo que para isso seja necessário sacrificar companheiros de 25 anos. Lula acha que, enquanto o PT não ceder cabeças, a turbulência não termina e cada vez mais a oposição vai arrastá-lo para a areia movediça da crise. Se dependesse dele, por exemplo, Dirceu já teria renunciado ao mandato. Agora, os mesmos emissários palacianos que tentaram em vão convencer Dirceu a desistir têm procurado João Paulo Cunha (SP), Paulo Rocha (PA), Professor Luizinho (SP), José Mentor (SP), João Magno (MG) e Josias Gomes (BA) com o mesmo propósito.

A conveniência da renúncia dos petistas, para escapar da cassação, tornou-se tema de acalorados debates entre Berzoini e Pont. O candidato do Campo Majoritário acha que, se renunciarem, os deputados não devem perder a legenda para concorrer novamente.

"Estamos vendo muita fúria em relação aos parlamentares do PT e pouco rigor em relação aos demais partidos", diz Berzoini. "Não podemos defender uma coisa a vida inteira e praticar outra. Assim não há eleitor que agüente", contesta Pont.

Ex-prefeito de Porto Alegre e hoje deputado estadual, Pont critica o "fisiologismo insaciável" da gestão Lula. "Duvido que algum petista se reconheça no que o governo está fazendo", provoca. "O nosso maior problema é de identidade programática e, se não cuidarmos disso, a crise será ainda pior em 2006."

Berzoini, ex-ministro do Trabalho e da Previdência, amenizou as estocadas à política econômica e assumiu a retórica do Planalto. "O PT precisa ser trincheira de defesa do governo", insiste. Moral da história: as divergências entre os que pregam o partido da ordem e seus oponentes estão longe de terminar com a eleição de hoje.