Título: Por Celso Daniel e por todos nós
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2005, Nacional, p. A8

É uma conquista das democracias garantir que toda morte violenta encontre explicações e culpados. Só as tiranias, as monarquias absolutas e as ditaduras de esquerda ou de direita matam sem dar satisfações. Da ferocidade da Roma antiga às barbaridades do nazismo e do fascismo, nunca se admitiu que uma morte violenta ficasse sem uma aberta e ampla apuração das responsabilidades. Nas democracias que merecem o nome, isto é direito da família do morto e da sociedade e dever das autoridades que respondem pelo uso da força como instrumento legítimo do Estado. O brasileiro morto em Londres mereceu pedido de desculpas das autoridades britânicas e imediata identificação da autoria. Mas Rubens Paiva e Wladimir Herzog, assassinados no Brasil pela ditadura, tiveram que esperar mais de 20 anos para que o Estado reconhecesse sua participação no crime. Sendo que a família de Rubens Paiva nunca pôde chorar seu morto numa cerimônia de corpo presente.

No Brasil democrático, o primeiro homem público que não consegue ser dignamente chorado é Celso Daniel. Sua morte permanece sem uma explicação minimamente plausível, que satisfaça o dever básico do Estado de responder, pelos métodos legais, às perguntas que o assassinato levanta: quem matou, por que matou. Tudo o que até hoje se disse sobre a morte de Celso Daniel continua nebuloso. São muitos os testemunhos de que a história verdadeira ainda está por ser contada.

O esforço evidente para calar, desacreditar, desmoralizar e desqualificar todas as vozes discordantes do relato oficial acerca da morte do prefeito não conseguem superar as evidências que se acumulam de que houve mais coisas do que o que há nos relatos. A família do prefeito Celso Daniel e todos nós temos o direito de exigir, nesse momento em que se levantam dúvidas praticamente sobre todo mundo, que as autoridades responsáveis abram os inquéritos feitos sobre esta morte da forma mais ampla, mais franca e mais completa possível. A democracia brasileira não pode mais conviver com esta mancha.