Título: Resposta à China
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2005, Economia & Negócios, p. B2

Depois de muita vacilação e boa dose de decepção, o governo Lula afinal decretou as salvaguardas contra o perigo amarelo. A primeira decorre do protocolo de entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, que deu o direito a cada um dos países membros de impor proteção temporária contra "ameaças de desorganização de mercado no país importador". A outra provém da liberação do mercado dos têxteis ao final de 2004.

São instrumentos que deveriam ter sido utilizados há mais tempo. Não o foram porque o governo Lula nutriu em relação à China expectativas carregadas de ingenuidade. Sonhava construir com ela um eixo Sul-Sul de alianças em torno do qual os países emergentes se perfilariam contra o jogo político e comercial das grandes potências.

Mas a China é movida a interesses e não a romantismo. Sabe o que quer e não teme ser acusada de jogo sujo. No ano passado, já havia aprontado um passa-moleque comercial no Brasil. Devolveu nada menos do que oito navios carregados de soja, sob o argumento de que estava contaminada com defensivos. A mesma soja foi depois revendida na União Européia que não levantou contra ela nenhuma reclamação. Isso corroborou a suspeita de que os chineses desistiram da encomenda porque, depois de fechados os negócios, os preços haviam recuado no mercado internacional.

Mesmo assim, em novembro, com a visita do presidente Hu Jintao ao Brasil, o presidente Lula apressou-se em reconhecer a China como economia de mercado, o que dificulta a adoção de represálias a práticas desleais do comércio. Foi uma concessão unilateral, na expectativa de que os chineses retribuíssem com generosos investimentos em infra-estrutura no Brasil, que nunca foram feitos. Meses depois, o governo chinês bombardeava na ONU o pleito brasileiro a uma cadeira no Conselho de Segurança.

O governo brasileiro só reconheceu a China como membro da OMC quatro anos depois, no dia 22 de setembro. Esse atraso foi uma das razões que impediram a regulamentação das salvaguardas. Na semana passada, o ministro do Desenvolvimento Luiz Furlan desembarcou em Beijing certo de que o governo chinês adotaria restrições voluntárias à entrada de seus produtos no Brasil. Mas as negociações fracassaram diante do pouco-caso dos chineses.

Há uma semana, o chanceler Celso Amorim, declarava-se "decepcionado", como se esperasse dos chineses algo diferente do que a defesa intransigente dos interesses estratégicos e comerciais do seu povo.

A resposta decretada quarta-feira foi mais política do que técnica, na medida em que as restrições agora decretadas ainda dependem de trâmites e de negociações, item por item, com o governo de Beijing.

Assim como o governo Lula esperou demais do governo chinês, os industriais brasileiros estão esperando demais dessas salvaguardas. São inevitáveis, mas, além de temporárias e cosméticas, não evitarão a concorrência desleal, ao contrário do que declarou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, na nota oficial divulgada ontem.

Não serão nem essas providências nem providências eventualmente mais drásticas que darão competitividade à indústria nacional, porque os chineses estão tomando mais do que fatias do mercado interno; estão tomando mercado externo.

A luta pela competitividade não se dará pela construção de barricadas contra a invasão asiática, mas pela derrubada do custo Brasil, que está na carga fiscal e nos juros elevados; na lentidão da Justiça; nas regras trabalhistas obsoletas; e na precariedade da infra-estrutura brasileira.