Título: 'Mandrake' no 'abafa'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2005, Notas e Informações, p. A3

As afirmações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, reclamando de lerdeza e desvio de foco das investigações das CPIs e a iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, exigindo providências de seus dirigentes, partem de um pressuposto equivocado. Mesmo não tendo sido oportunas a prolongada ausência de Brasília do presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral, e a obstrução feita pelos governistas para impedir a evolução natural das investigações, os fornos onde se prepara a pizza da impunidade não estão instalados em sua cozinha nem nas outras, do "Mensalão" e dos Bingos, na qual Lula gostaria de ver bingueiros depondo, em vez do chefe de seu gabinete, Gilberto Carvalho. Os donos da pizzaria que movimentam os pizzaiolos estão no Palácio do Planalto e na cúpula do PT, de onde partem as ordens para a obstrução liderada pela senadora Ideli Salvatti, e recebem agora a espontânea colaboração da Corregedoria e do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados envolvidos num entrevero que, por tão absurdo, está cheirando a jogada combinada.

O pretexto regimental para o impasse entre o presidente do Conselho, Ricardo Izar, de um lado, e o corregedor Ciro Nogueira e o relator por este nomeado para os 16 processos de cassação de deputados, Robson Tuma, de outro, chega a ser ridículo, de tão insignificante. Nogueira, protegido do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, aproveitando-se da decisão do Supremo que forçou a passagem do relatório de Osmar Serraglio, da CPI dos Correios, pela Corregedoria, nomeou um único relator, Tuma, para os 16 processos. Este, como era de se esperar, preparou um relatório só, o que não é aceito por Izar, para quem a Corregedoria teria a obrigação regimental de entregar ao Conselho de Ética, que preside, relatórios individualizados com documentos e depoimentos que indiquem a presunção de culpa, ou de inocência, de cada um dos citados.

Como Izar já destacou 6 dos 16 que, na sua opinião, não poderão perder seus mandatos por falta de provas de quebra de decoro parlamentar, e Tuma tem opiniões próprias sobre aqueles que pretende livrar da guilhotina, o impasse só seria resolvido se o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, chamasse a si a decisão, resolvendo definitivamente como será a tramitação, retardada pelo impasse. Mas, eleito com 15 votos de maioria, 1 a menos que o total de "cassáveis" e testemunha de defesa de um deles, José Dirceu, este não pode ser acusado de ter interesse em acelerar quaisquer processos de investigação e julgamento de seus "nobres pares". Ao contrário: mal assumiu, já garantiu que terá "coragem e isenção" para absolver os inocentes, mas não foi tão enfático quanto à punição dos culpados. E, diante do conflito entre a Corregedoria e o Conselho, só pediu "paciência".

Por acaso, seria leviano acusar os protagonistas desse entrevero absurdo de estarem agindo de má-fé? De não estarem cumprindo as promessas reiteradas diariamente à opinião pública de que os delitos serão apurados e os culpados, punidos na forma da lei? Isso era o mínimo que se esperava deles, depois de tudo quanto já foi revelado a respeito do uso indecoroso de mandatos de representação popular para enriquecimento fácil, rápido e ilícito. A substituição da "operação abafa" pela "operação Mandrake" - em que uma retórica de meias-verdades e mentiras deslavadas tenta desviar o foco para engabelar a opinião pública, justamente indignada com a corrupção denunciada e nunca satisfatoriamente desmentida -, denunciada pela colunista Dora Kramer, será um elemento a mais a desmoralizar os responsáveis por seu planejamento e execução. A mentira deles será desmascarada mais rapidamente do que o foi a falsa versão dos empréstimos para o "caixa 2" das campanhas eleitorais do PT, montada pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares e pelo acusado de operar o "mensalão", Marcos Valério, com o aval dado em Paris pelo presidente da República. A estes, aliás, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, se esqueceu de avisar que "caixa 2" é "coisa de bandido".