Título: Parcelado sem juro? Só na aparência
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Economia & Negócios, p. B5

Em quase um terço das ofertas, o preço anunciado sem acréscimo é muito superior ao preço do mesmo produto à vista

Quem paga a promoção milagrosa do preço parcelado sem juros, em boa parte das vezes, é o consumidor. Levantamento nacional dos anúncios impressos de 50 itens entre eletrônicos, eletrodomésticos e eletroportáteis vendidos em 185 redes varejistas espalhadas pelo País mostra que, em quase um terço das ofertas, o preço anunciado como parcelado sem acréscimo é muito superior ao preço à vista. Na prática, a diferença entre o preço à vista e o parcelado sem juros, que é de até 60%, acaba sendo um custo financeiro embutido no valor parcelado que é anunciado como sem acréscimo. Os dados foram coletados pela empresa especializada em pesquisa de varejo Brasil Shopping, de 1º a 25 de setembro, em todo o País, exceto em Rondônia, Roraima, Acre, Amapá e Tocantins.

De acordo com o levantamento, um televisor Panasonic de 29 polegadas saía por R$ 829 à vista numa rede de lojas. Na concorrente, o mesmo produto custava R$ 1.299, quase 57% a mais, parcelado em 9 vezes iguais de R$ 129,90, além da entrada, e anunciado pela rede varejista como um financiamento sem juros.

O mecanismo de aumentar o preço de partida para embutir o custo financeiro do financiamento se repete em outros 13 itens pesquisados. Num refrigerador Electrolux de duas portas, o preço à vista anunciado era de R$ 799. O mesmo refrigerador saía por R$ 1.189 parcelado em 9 prestações iguais de R$ 118,90, fora a entrada, e era anunciado como sem juros.

É significativo o fato de 28% dos itens pesquisados apresentarem preço parcelado, anunciado como sem acréscimo bem superior ao preço à vista, afirma o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira.

Segundo ele, isso é uma forte evidência de que existe custo financeiro embutido no preço. A lógica de aumentar o preço de partida para anunciar parcelamento sem acréscimo é semelhante no caso dos descontos.

Oliveira lembra que, como há entre os brasileiros a cultura de levar vantagem, há lojas que aumentam o preço e anunciam descontos polpudos, na faixa de 50% a 60%. Com isso, o consumidor tem a falsa impressão de que se trata de um bom negócio e compra o produto.

"Nunca houve tanto anúncio de descontos na faixa de 50%", observa o vice-presidente da Anefac. Ele pondera, no entanto, que existem promoções, mas elas são eventuais. As promoções verdadeiras ocorrem quando há acúmulo de estoques ou a loja fecha uma negociação vantajosa com a indústria. Mas, na sua opinião, quem paga a conta das promoções de fachada é o consumidor.

PESQUISA

A consumidora que trabalha com pesquisa de preços Ana Lúcia Alves, de 22 anos, pelo próprio dever de ofício, não se deixa enganar pelas promoções milagrosas das lojas. "Eu não acredito que não haja juro no preço parcelado e anunciado como sem acréscimo", diz.

Para ilustrar esse raciocínio, ela conta que há duas semanas comprou um DVD. Pagou R$ 245 à vista pelo produto. Mas antes de bater o martelo, pesquisou muito. Na loja concorrente o mesmo aparelho de DVD era anunciado por R$ 299 à vista ou parcelado em 12 vezes sem acréscimo, com um preço 22% superior.

A saída, diz Ana Lúcia, é pesquisar preço. O segredo para descobrir se há juro embutido no preço parcelado que é anunciado como sem acréscimo é comparar esse valor com a cotação à vista do mesmo produto oferecido em uma loja concorrente.

De olho nas compras de Natal, ela aproveita o tempo em que coleta os preços nas lojas para fazer pesquisa para si. "Quero comprar um televisor de 29 polegadas da marca LG." Numa loja, o produto sai por R$ 899 à vista ou em 4 vezes sem juros. Na rede concorrente, o mesmo produto à vista custa R$ 100 a mais, mas com a vantagem de parcelamento por um período maior.

O pintor André Ribeiro, de 47 anos, é outro consumidor que não acredita em financiamento sem juros. "O dinheiro custa no tempo", diz ele.

Ribeiro, que tem casa própria e renda mensal de cerca de R$ 1 mil, planeja comprar uma cama e um colchão. "Vou gastar cerca de R$ 500 com os dois itens." A intenção do pintor é pesquisar muito antes de fechar negócio e pagar à vista. "Até agora observei diferenças de preço do mesmo produto entre lojas de até R$ 200."

O pintor, que no momento está impedido de fazer financiamento porque ainda não conseguiu tirar o nome da lista do Serviço Central de Proteção ao Crédito, apesar de alegar que já quitou a dívida, diz que pretende pagar à vista. "É mais prático quitar de uma vez só."