Título: Sonegação custa R$ 160 bi por ano
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2005, Economia & Negócios, p. B1

Perdas com fraudes e falsificações vendidas como serviços de 'planejamento tributário' chegam a um terço do que o País arrecada

A proliferação de serviços de "planejamento tributário" com objetivo de sonegar impostos tem causado grandes prejuízos ao Fisco. Calcula-se que o País perde por ano cerca de R$ 160 bilhões com a evasão fiscal (fraudes, simulações e falsificações), segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco). Isso representa um terço de tudo que o Brasil arrecada, afirma o presidente da entidade, Emerson Kapaz. Para ele, "se houvesse um sistema de fiscalização mais adequado, os brasileiros poderiam pagar um terço a menos de imposto". Nos últimos anos, virou moda a venda de pacotes com fórmulas milagrosas de redução de tributos que ultrapassam a barreira da legalidade. São operações sofisticadas, vendidas como legais, que tornam cada vez mais tênue o limite entre o lícito e a fraude. "O mercado está cada vez mais criativo", afirma o secretário-adjunto da Receita Federal, Paulo Ricardo Souza Cardoso.

Ele ressalta que o serviço de planejamento tributário, no sentido de elisão fiscal, é lícito. O problema está na roupagem que dão para esse serviço com o objetivo de não pagar o imposto devido. O conceito define como elisão meios legais para organizar e planejar as atividades econômicas de forma menos onerosa, ou seja, encontrar brechas na lei que permitam pagar menos tributos.

Mas muitas empresas têm descaracterizado o planejamento tributário, transformando-o numa fábrica de sonegação. São aventureiros que vendem falsas teses aos contribuintes, afirma o ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, Clóvis Panzarini, sócio-diretor da CP Consultores. A forma mais simples de entender um planejamento legal, diz ele, é a opção dada no Imposto de Renda Pessoa Física entre o modelo simples e completo. Isso está previsto na lei e pode reduzir o imposto.

Mas o que se vê no mercado são formas requintadas de fraudes. Kapaz lembra as liminares contra a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), calculada sobre a venda de combustíveis. A operação funcionava da seguinte maneira: abria-se uma empresa, que contestava a cobrança do imposto na Justiça; quando ela obtinha a decisão judicial, retiravam-se milhões de litros nas refinarias; assim que a liminar era cassada, as empresas deixavam de existir e o governo não tinha de quem cobrar o tributo. Com essas transações, o governo deixou de arrecadar cerca de R$ 800 milhões.

Essa era apenas uma das formas de burlar a lei. Recentemente, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e a Receita descobriram um esquema de exportação fictícia para se apropriar de créditos tributários, que reduziam o pagamento de ICMS, IPI e Cofins. A operação, criada por consultorias, teria causado prejuízo de R$ 2 bilhões ao Fisco. A operação só existia no papel, diz o advogado José Eduardo Burti Jardim, da Advocacia Eduardo Jardim. Muitos clientes apareceram no escritório buscando informações sobre a adoção desse tipo de transação, sem saber da ilegalidade do procedimento.

BLINDAGEM

O diretor-executivo da Secretaria da Fazenda de São Paulo, Clóvis Cabrera, destaca também as transações chamadas blindagem patrimonial, em que são criadas empresas no exterior, normalmente em paraísos fiscais, para preservar bens e não declará-los ao Fisco. Essas companhias, as "offshore", controlam outras empresas no Brasil e ocultam bens que poderiam ser objetos de penhor ou arresto no caso de dívidas com a Receita. Recentemente, o advogado de um escritório famoso foi preso porque teria vendido aos clientes pacotes de serviços de blindagem patrimonial, considerados fraude pelo Ministério Público.

Outro exemplo de "planejamento tributário" discutível e que foi muito usado era a compra de títulos do governo federal, do século passado, para saldar dívidas atuais. Algumas consultorias aconselhavam empresas a comprar esses papéis a preço de banana, atualizar o valor e depois entrar na Justiça para que o governo descontasse na dívida tributária devida, diz o integrante da Associação Brasileira dos Consultores Tributário (ABCT) Guilherme Pereira das Neves.

"A tese era de que se o governo devia para aqueles que detinham títulos públicos, deveria fazer uma compensação", comenta. Mas esses títulos já tinham sido declarados prescritos e não eram reconhecidos pelo Estado. Mesmo assim, as empresas arriscavam e, às vezes, conseguiam liminar.

A esfera municipal também não escapa dessas operações. Durante muito tempo, e até hoje, contribuintes abriam empresas em cidades onde a alíquota do Imposto sobre Serviços (ISS) era menor para pagar menos ao Fisco. Mas era apenas uma empresa de fachada, pois a prestação de serviço ocorria em outro município.

Segundo o promotor de Justiça Willian Terra de Oliveira, o planejamento tributário com fins ilícitos tem se tornado um filão de negócio. Muitas vezes, diz ele, são as consultorias que procuram o contribuinte para oferecer o serviço e este nem sabe da ilegalidade da operação. "Temos detectados vários casos e dado respostas aos crimes. Mas precisamos de uma política de Estado preventiva e corretiva."

As consultorias também aconselham os contribuintes a fazer o crédito à vista de ICMS relativo à aquisição de bens para incorporação no ativo imobilizado, quando se sabe que a lei diz que isso só pode ser feito em 48 meses. "Esses procedimentos não são planejamento tributário. São trambiques, casos de polícia", avalia o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.