Título: Aumenta procura em lojas de armas
Autor: Fabiano Rampazzo, Elder Ogliari, Laura Diniz
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2005, Metrópole, p. C1,3

Se o sim vencer, compra de munição será regulamentada Para comerciantes, clientes já começaram a estocar munição e projeção é de a demanda crescer até consulta popular do dia 23

Com a possibilidade de vitória do sim à proibição da venda de armamentos no referendo do dia 23, donos de lojas de armas já encaram a hipótese de fechar o negócio. A organização não-governamental Viva Brasil, favorável à venda de armamentos, estima que o País perderá 90 mil empregos se o sim vencer - no comércio e na produção de armas e munição. Mas a mobilização pré-referendo teve ao menos um efeito positivo para os comerciantes: a demanda aumentou. Lojistas de São Paulo disseram que cresceu o interesse pela compra de munição. "Tivemos, nas últimas semanas, um aumento de 30% na procura. Nitidamente, meu cliente pensou: 'É minha última chance de comprar munição legalmente, então eu vou me abastecer e estocar'", disse Sérgio Maresca, dono da loja Ao Gaúcho, Rua Doutor Vieira de Carvalho, no centro, que existe há 80 anos.

Dona da loja Rio Negro, na Rua Mauá, quase esquina com a Avenida Cásper Líbero, centro, Rosa Maria Damiana Teixeira também notou aumento de demanda. "Mas eu acredito que entre os dias 19 e 23 deve ocorrer o pico da procura por munição." Ela teme, porém, não dar conta do movimento. Disse que um de seus fornecedores, a fabricante de armas e munição CBC, não tem abastecido a loja como antes. "Eles estão em falta, entregam pouca munição, porque também estão com medo de perder mercadoria e por isso não produzem muito."

Nilton Gonçalves de Oliveira, dono da Top Gun, na Avenida São João, é menos otimista do que Rosa. "A procura aumentou, mas a cota de venda permitida é baixa: 50 unidades por ano (por arma registrada)."

O gerente da Casa Speratti, Wanderley Izan , afirmou que o movimento na loja, na Cásper Líbero, aumentou, mas isso não se traduziu em vendas. "Para comprar é necessário apresentar uma autorização da Polícia Federal que, mesmo sendo expedida rapidamente, é desconhecida pela maioria das pessoas." As restrições mencionadas por Izan e Oliveira constam do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003.

No Rio Grande do Sul, a proximidade do referendo também impulsionou as vendas, mas de armas. "A procura aumentou de 300% a 400%, mas é bom lembrar que a base do primeiro semestre é próxima a zero", disse, sem revelar números, Dempsey Magaldi, diretor do Grupo Magaldi, que tem uma loja e uma escola de tiro em Porto Alegre.

O médico Flávio Braga é um dos compradores recentes. Ele já encaminhou a documentação, fez os testes e só espera a concessão do porte para retirar sua pistola calibre 380 e carregá-la entre um plantão e outro na madrugada de Porto Alegre. "Meu único objetivo é a defesa pessoal", afirmou.

Os dados da PF, que faz o registro e concede o porte, confirmam a tendência detectada por Magaldi. O número de registros emitidos no Rio Grande do Sul saltou de 156 em maio para 1.577 em junho e 1.624 em julho. O delegado de Defesa Institucional, Luiz Nestor Contreira, admitiu que o volume de portes cresceu, mas destaca que havia uma demanda reprimida, do período entre a aprovação do estatuto, em dezembro de 2003, e a sua regulamentação, em julho de 2004. "Foi só depois disso que os interessados tomaram conhecimento das exigências."

Antônio Alves, presidente da Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas de Fogo (ANPCA), cuja sede fica no Rio, considera qualquer indicativo de aumento das vendas de armas incorreto. "Há seis anos tínhamos 1.400 lojas no Brasil e hoje talvez tenhamos 200", compara. "Os registros que aparecem agora na PF não se referem a vendas, mas a processos que estavam paralisados."

O fechamento das lojas mencionado por Alves está diretamente ligado ao estatuto. Desde sua aprovação, a queda na venda de armas foi vertiginosa para alguns lojistas, que só conseguiram sobreviver porque também trabalham com artigos esportivos e de pesca. "A última arma que eu vendi aqui foi em dezembro de 2003. Depois disso, nenhumazinha. Até o estatuto, a gente vendia mais ou menos 200 por ano", afirmou Izan, da Casa Speratti.

"Tenho a loja há 16 anos. E se der sim no referendo vou fechar", afirmou Vera Ratti, dona da Interarmas, em Santa Cecília, centro. "Aqui, por exemplo, além da perda dos empregos diretos, haverá também prejuízos indiretos. Tem funcionário meu que sustenta parentes. O governo deveria investir na segurança em ver de propor esse contra-senso (o referendo)."

Maresca, da Ao Gaúcho, é outro que vai baixar as portas se o sim vencer, apesar de trabalhar também com artigos esportivos. "São as armas que trazem os clientes."

Rosa, da Rio Negro, garantiu estar preparada para manter o negócio apenas com artigos de pesca e esportivos. Ela administra a loja com o marido, Nelson Teixeira, veterano no mercado. Teixeira conta com orgulho que há 30 anos vendeu uma arma ao humorista Jô Soares. "Na época eu era balconista na Casa Winchester 44, lá na Rua do Seminário. Lembro bem, ele chegou numa moto bonita, parou na calçada - naquele tempo podia - foi lá e comprou comigo."

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DIREITO ADQUIRIDO: A poucos dias do referendo, a questão da venda de munição para quem já tem porte de arma ainda provoca polêmica. Para o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), vice-presidente da Frente Parlamentar por um Brasil sem Armas, caso o sim vença, quem tem porte poderá continuar comprando munição, porque se trata de um direito adquirido. "A lei não pode retroagir sobre direitos." A diferença, disse, é que a pessoa não se poderá abastecer no comércio normal. "Nossa proposta de regulamentação é para que as pessoas se abasteçam em postos do Exército, como já fazem hoje caçadores e praticantes de tiro ao alvo." Indagado se o Exército precisaria fabricar munição ou comprar de fabricantes, ele disse que isso ficaria a critério das Forças Armadas.

"Se você vai poder continuar comprando munição e armas e, se o referendo é justamente para proibir o comércio, para que referendo? Agora a máscara deles realmente caiu", rebateu o deputado Alberto Fraga (PFL-DF), presidente da Frente Parlamentar pelo Direito da Legitima Defesa. "O Exército é quem autoriza a compra, não pode vender. Ou vamos transformá-lo em balcão de negócios?"

A discussão ganhou espaço no horário gratuito do referendo no rádio e na TV. Um dos argumentos da frente pelo não para sensibilizar eleitores é o de que policiais inativos não poderão comprar munição para se proteger de bandidos que os juraram de morte. A frente pelo sim rebateu a alegação com base no Estatuto do Desarmamento, segundo o qual caberá ao Ministério da Defesa definir normas para a aquisição de acessórios e de munição. Hoje o estatuto permite a compra anual de 50 unidades por arma registrada.