Título: Reformas, não proteção
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2005, Notas e Informações, p. A3

A reação de dirigentes empresariais e sindicalistas contra o documento do Ministério da Fazenda que propõe uma nova e mais ampla abertura da economia brasileira mostra como ainda é pouco compreendida no País a idéia de que o êxito nas negociações comerciais internacionais está condicionado a concessões recíprocas. A maneira como representantes oficiais do Brasil têm se comportado nas mesas de negociações, por sua vez, confirma que no governo Lula - com a elogiável exceção de um restrito grupo de técnicos, a maior parte dos quais em serviço no Ministério da Fazenda - falta essa compreensão. É pouco provável que os países com os quais o Brasil negocia aceitem abrir mais seus mercados se não obtiverem vantagens para ampliar seu acesso ao mercado brasileiro. Num ambiente em que a regra geral é a reciprocidade, uma das conseqüências da falta de flexibilidade dos negociadores brasileiros é que, apesar de correta, a proposta do Brasil de maior abertura do mercado do mundo industrializado aos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento não consegue romper a resistência dos países ricos.

A proposta do Ministério da Fazenda sem dúvida representaria um avanço da posição brasileira e facilitaria o entendimento com os diversos parceiros comerciais do País. Na essência, ela defende a redução da alíquota máxima do Imposto de Importação de 35% para 10,5%. A tarifa média efetivamente aplicada cairia de 10,77% para 7,39%. De 8.822 tarifas para produtos industriais registrados na Organização Mundial do Comércio (OMC), 62% seriam reduzidas.

A proposta tem sido bombardeada até mesmo dentro do governo, e com argumentos de pouca consistência. E dirigentes do setor industrial alegam que, se a proposta se tornar realidade, a indústria ficará inteiramente vulnerável à concorrência externa.

É provável que segmentos mais protegidos sintam impacto mais forte do que outros. O corte de tarifas atingiria diretamente o setor automobilístico, incluídos os fabricantes de autopeças, protegido pela alíquota máxima. Outros setores também seriam bastante afetados. Dirigentes sindicais, por sua vez, falam em efeitos "desastrosos" da redução tarifária sobre o mercado de trabalho.

É inegável que algum efeito negativo haverá, mas será localizado. O que espanta é a facilidade com que argumentos válidos apenas para segmentos específicos da indústria sejam estendidos para toda a economia brasileira, sem se levar em conta os resultados altamente benéficos que a abertura teria para o parque produtivo nacional, em geral e, em particular, para o consumidor.

Como observou o economista Marcos Jank, em artigo publicado terça-feira pelo Estado, "é curioso ver 150 negociadores esgotando as suas energias para defender meia dúzia de setores pouco eficientes - na maioria das vezes dominados por lobbies arcaicos ou por empresas multinacionais -, afirmando que tais setores resumem o 'interesse nacional', enquanto milhões de consumidores são literalmente ignorados".

O ganho dos consumidores com a abertura seria imediato, com a oferta de mais produtos, a preços competitivos. Mas ganhariam também os setores de produção que utilizam insumos, matérias-primas e componentes importados. E ganharia toda a economia, pois quanto mais expostas à concorrência mais produtivas serão as empresas.

Talvez mais importante do que a ampliação do comércio seja o efeito da abertura sobre as políticas públicas voltadas para a modernização e o aumento da eficiência da economia brasileira. A baixa competitividade do Brasil, tantas vezes utilizada como argumento pelos que pedem mais proteção, decorre de fatores internos.

"Nossos verdadeiros problemas estão nos fundamentos da macroeconomia (juros e impostos elevados, volatilidade do câmbio real), nas deficiências de logística, na lentidão da Justiça, no baixo nível educacional e nos custos absurdos de nossa legislação trabalhista", observa Jank.

Mais proteção e medidas de defesa comercial não resultam em mais competitividade, diz o economista. "Reformas domésticas, sim." É por elas que dirigentes industriais, sindicalistas e o País deveriam lutar, não por mais proteção, que retarda o progresso e complica as negociações internacionais.