Título: Zoellick chega para aparar arestas antes da visita de Bush
Autor: Denise Chrispim Marin e Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2005, Nacional, p. A13

Com a política externa do governo Lula sob fortes críticas em casa, em parte por ter reduzido o espaço das relações com os Estados Unidos, o vice-secretário de Estado americano, Robert Zoellick, reafirmará hoje o interesse de Washington num diálogo mais profundo com Brasília, nos encontros que terá com os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Fazenda, Antonio Palocci, e o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Porta-voz do Itamaraty disse que a reunião de Zoellick com Amorim, que se prolongará num jantar, será " de cortesia". O vice-chanceler, Samuel Pinheiro Guimarães, um antiamericano que seria o interlocutor natural de Zoellick , não participará porque está viajando.

A missão mais imediata de Zoellick é preparar a visita de trabalho que o presidente George W. Bush fará a Brasília entre a noite do sábado, 5 de novembro, e a tarde do dia seguinte, depois de participar da 4ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata, Argentina. A visita de Bush, confirmada ontem pela Casa Branca, consistirá em encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reuniões de meia dúzia de ministros de cada lado e um almoço na Granja do Torto, no dia 6. Antes de embarcar rumo ao Panamá, onde fará breve visita antes de regressar a Washington, Bush discursará a uma platéia de convidados na embaixada americana, no único evento público da visita.

A agenda do vice-chanceler americano em Brasília prevê encontro com o líder do governo do Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), uma discussão com formadores de opinião e a apresentação de 25 estudantes secundaristas brasileiros, escolhidos em concurso com mais de 2 mil concorrentes, que visitarão os EUA como "embaixadores da juventude". O evento foi incluído para sublinhar que, a despeito da falta de entusiasmo de áreas do governo com o diálogo com os EUA, é grande na sociedade brasileira o interesse em laços mais estreitos com o país.

ESTRATEGISTA

Ministro do comércio exterior (USTR) até o início do ano, Zoellick é hoje o braço direito da secretária de Estado, Condoleezza Rice, e principal estrategista da administração americana para a América Latina. Na conversa com Marco Aurélio Garcia, ele deve reafirmar a preocupação americana em relação ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, cujos movimentos, financiados por petrodólares, são vistos pelos americanos como fonte crescente de instabilidade na região.

De acordo com o presidente do Diálogo Interamericano, Peter Hakim, " foi muito mal recebida em Washington" a declaração que o presidente Lula fez no fim de semana, de que Chávez peca não pela falta, mas pelo excesso de democracia. Segundo Hakim, é grande a preocupação na administração americana de que Chávez tente transformar a Cúpula de Mar del Plata numa confrontação com Bush.

A despeito da afirmação de Lula enaltecendo o excesso de democracia do ex-coronel golpista consagrado pelas urnas, a expectativa na capital americana é de que o presidente brasileiro vai agir na cúpula de maneira a moderar seu colega venezuelano, às vésperas de receber Bush em Brasília.

"VOZ DA RAZÃO"

O encontro de Zoellick com Palocci não será casual. Quando estava no USTR, Zoellick procurou manter um diálogo com a área financeira do governo Lula, que se mostrou a mais empenhada em aprofundar entendimentos. Palocci, que resistiu a pressões de seu partido e de setores do governo por mudanças na economia, foi elogiado publicamente pelo secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, que na semana passada o chamou de "a voz da razão da economia global".

O diálogo de Zoellick com Palocci deve abordar as negociações da Rodada Doha, que terão momento crucial em dezembro, na conferência ministerial da OMC em Hong Kong. Partiu da Fazenda a proposta de uma maior abertura do setor industrial para um "choque de competitividade interno" e forçar os países ricos a abrirem seus mercados agrícolas.