Título: Há 11 dias sem comer, bispo começa a passar mal, mas não muda rotina
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/10/2005, Nacional, p. A14

CABROBÓ - Com dores nos braços, respiração ofegante e lapsos de memória, o bispo de Barra (BA), d. Luís Flávio Cappio, 59 anos, que hoje entra no décimo primeiro dia de fome, mantinha "o espírito forte, apesar do corpo fraco" e cumpriu ontem agenda cheia, antes da chegada do ministro Jaques Wagner, aguardado no final da tarde como emissário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O bispo antecipou que só aceitaria encerrar a greve com um documento oficial, garantindo a suspensão do projeto de transposição. Ele se levantou com o sol para se banhar nas águas do Rio São Francisco, a 300 metros da capela São Sebastião, no Sítio Bela Vista, em Cabrobó, a 600 quilômetros do Recife, onde está instalado. Atendeu à imprensa, visitantes e passou meia hora no sol forte do sertão, assistindo a índios tumbalalá que foram lhe prestar homenagem dançando o toré (dança de guerra e de resistência de caráter religioso). Os índios - cerca de 20 - vieram de Missão Velha, em Curaçá (BA) e fizeram fila para falar com o bispo.

Pela primeira vez, o bispo mostrou irritação com os cuidados dos que o rodeiam. Um amigo tentou pôr chapéu na sua cabeça, enquanto falava com os tumbalalás. Ele não aceitou: "Eu não sou palhaço de circo."

Para evitar maior desgaste do religioso, as paróquias estão sendo orientadas para suspender caravanas. D. Luís não reclama de cansaço ou dores: "Estou firme e lúcido", afirmou. Ele se alimenta apenas da água do rio desde o dia 26.

Pesado ontem pela primeira vez, por volta das 17 horas, o bispo estava com 61 quilos. Perdeu 4 quilos em 10 dias de greve de fome. O clínico-geral Francisco Bruno Matias Figueiredo, da Secretaria de Saúde Municipal de Cabrobó, considerou a perda normal, disse que o bispo está bem, com sinais vitais normais e deve agüentar muito bem pelo menos mais 10 dias.

Os quatro integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores que decidiram, anteontem, acompanhar a greve de fome do bispo, tiveram sua decisão respeitada: "Assim como gostei que respeitassem minha decisão, não tenho outra coisa a fazer a não ser respeitar a decisão deles", disse d. Luís Cappio.

Os quatro se instalaram na casa vizinha à capela do sítio Bela Vista. À tarde, um caminhão da companhia energética chegou para cortar a luz por falta de pagamento. Isabel, mulher do dono da área, Lídio Pereira de Souza, desesperou-se. Os presentes intervieram e o caminhão foi embora sem cumprir a tarefa.