Título: Operação mandrake
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Nacional, p. A6

Na impossibilidade de executar uma operação abafa em regra, o Palácio do Planalto juntou-se à direção do PT e, com o aval do presidente do Senado, pôs em marcha uma operação mandrake. Por meio das artes do ilusionismo retórico, o governo tenta promover uma troca de papéis em que acusados assumem o lugar de acusadores e gente interessada em desmobilizar as investigações cobra eficácia nas apurações. Chegou-se ao ponto de o acusado de ser o mentor do esquema de arrecadação ilícita usado pelo PT para financiar seu projeto de poder arvorar-se o direito de sentenciar.

¿As CPIs perderam o foco¿, decretou o deputado José Dirceu, no que foi recebido, não com a precaução devida aos réus, mas com fé de juiz.

No dia anterior, o presidente da República já havia feito reparos ao andamento dos trabalhos e, cheio de ironias, posto em dúvida a capacidade dos parlamentares de chegar à substância dos fatos. Fez isso, claro, ignorando propositadamente o que já é fato: a abertura das portas do governo à ação de um lobista que, agindo com credenciais de representante do alto comando petista, ensinava ao partido o caminho das pedras da captação de recursos paralelos mediante a contratação de seus serviços publicitários na administração federal.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, envolveu-se onde não foi chamado para cobrar eficácia ou o fim das comissões de inquérito, pois, a seu juízo, elas estão ¿patinando¿ e isso não é bom para a imagem do Congresso.

Digamos que seja bem pior para o conceito do Parlamento que o presidente de uma de suas Casas corra para prestar qualquer tipo de serviço ao Palácio do Planalto ao menor sinal de que isso possa lhe render vantagens políticas, partidárias e/ou eleitorais. Mas o exemplo mais representativo dessa tentativa de transmutação foi o do presidente interino do PT, Tarso Genro.

Para ele, quem deve satisfações à sociedade são as comissões de investigação. Tarso disse isso com a altivez dos indignados pela ofensa da honra. ¿Se as CPIs não encontrarem as fontes dos financiamentos, vamos suspeitar que não querem investigar¿, pontificou.

Esquisito que o presidente pergunte sobre a origem do dinheiro, pois, ao que consta, a fonte são os empréstimos feitos por Marcos Valério em nome do PT no Banco Rural. Ou não são?

Tarso cobra das CPIs ainda que elas apontem ao PT o que foi mesmo que o partido fez. ¿Se não indicarem quais processos levaram aos erros que cometemos¿, repete-se, ¿vamos suspeitar que as CPIs não querem mais investigar¿.

Forte competidor do certame em que José Dirceu ¿ ¿Estou cada vez mais convencido da minha inocência¿ ¿ é até agora campeão, o presidente interino do PT pelo visto aguarda que os outros digam onde foi que errou; se não disserem, ele fica calado e ainda enquadra o investigador incompetente por omissão.

Até seria possível achar alguma graça nesse tipo de manobra diversionista de fancaria se o PT não levasse muito a sério sua capacidade de iludir o alheio.

A senadora Ideli Salvatti ontem era a expressão da certeza desse dom, ao exibir como prova da boa-fé dos petistas o voto deles a favor da quebra de sigilo da corretora Bônus Banval, sendo que na semana passada ela comandara pessoalmente a retirada do quórum para impedir a votação.

Acreditando-se fortalecido pela vitória de Aldo Rebelo, o governo dá outra vez passos maiores que as pernas e imagina-se em perfeitas condições políticas de surfar na onda do cansaço geral provocado por quatro meses de investigações.

Para fazer prevalecer a idéia de que nada foi apurado, nada foi comprovado, que as CPIs, além de inúteis, serviram apenas para o exercício do exibicionismo da oposição seria necessário mais.

Seria preciso que o PT não tivesse no início feito de tudo para impedir a criação das comissões, que depois disso os governistas não tivessem tentado desmoralizar testemunhas de acusação, que deputados não tivessem recorrido à Justiça para postergar o andamento dos processos, que jamais um parlamentar, um dirigente partidário, um assessor, uma testemunha, um acusado tivesse mentido ou se omitido diante das indagações das CPIs.

Caso contrário, como é o caso, o ardil soa tosco. Tal primariedade é a boa notícia. A má é que pode dar certo.

Ananás

Dor de cabeça que se avizinha amazônica para Lula não diz respeito a CPI alguma. Fisicamente está a léguas de distância de Brasília, em Cabrobó (PE), mas politicamente cerca o gabinete presidencial. Por mais discutível que seja o apoio da Igreja Católica à intenção de suicídio inerente à greve de fome do bispo Luís Flávio Cappio, por mais questionável que seja o método de contraposição da vida à execução de uma obra, o problema está criado e, se não for resolvido com habilidade, estoura no colo do presidente.

Os simbolismos sempre foram o forte do PT. Ao atuar no mesmo terreno, o bispo leva consigo a vantagem dos 2 mil anos de experiência da Igreja no ramo.