Título: Ministro da Justiça denuncia comércio na delação premiada
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Nacional, p. A9

O governo Lula desferiu ontem, por meio de seu ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, o mais pesado ataque à delação premiada, mecanismo que 10 entre 10 promotores e procuradores anticorrupção defendem dramaticamente. "Vem me preocupando muito a delação premiada, o uso, o abuso, a distorção que ela vem vivendo nesses tempos no Brasil", desabafou o ministro, diante de 250 advogados, em São Paulo. O ministro denunciou a ação de delatores de aluguel. A delação prevê concessão de benefícios a investigados que colaboram com a Justiça - em troca de informações que levem ao desmonte de organizações criminosas, o delator pode ter a pena reduzida ou até ser excluído do processo. A confissão espontânea e a colaboração têm sido largamente utilizadas nas ações sobre crimes financeiros, evasão fiscal e lavagem de capitais. No processo contra Paulo Maluf - preso federal há 25 dias -, a Procuradoria da República pediu o benefício da delação para o doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi, maior acusador do ex-prefeito. No caso Banestado e na Operação Beacon Hill, que capturou 62 doleiros, a delação foi amplamente negociada.

Bastos revelou que a Polícia Federal abriu inquérito para investigar "um grupo de pessoas que poderiam ser denominadas de corretores de delação premiada". Segundo ele, "são pessoas que procuram réus condenados e lhes propõem conseguir a redução de suas penas em troca de diferentes pagamentos, alguns em dinheiro, outros em favor, outros de outra espécie".

"A PF está investigando pessoas que estão oferecendo delação, é um crime, um estelionato a pessoa usar um ardil para enganar a outra e obter vantagem", declarou o ministro. Ele disse que os delatores fazem suas ofertas mediante a adesão e outorga de procuração. "Isso é sério, é forte, mostra o que está acontecendo em matéria de delação no Brasil", alertou.

Ele relatou ter sido "de certa maneira vítima de uma coisa dessas". "Um sujeito foi depor reservadamente e foi claramente induzido a apontar meu nome. Eu assisti o vídeo do depoimento. Perguntaram a ele sobre algumas pessoas e o advogado que o acompanhava, advogado entre aspas, apontou um nome escrito num papel e disse: 'Fala esse aí'. O sujeito falou o meu nome." Depois, o acusador se retratou e isentou o ministro.

Bastos disse que, "em matéria de direito de defesa e de garantias constitucionais, é fundamental que o Brasil pense seriamente em relação à delação premiada, que precisa ser usada com muito cuidado, não pode ser tomada como verdade absoluta". Anotou que a delação é "por sua própria natureza sempre suspeita porque a pessoa quer vantagem, é preciso que haja prova complementar".

Maurício Zanoide, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, defendeu urgência para "melhor regulamentação" da delação. "Muitos acreditam que os acordos são feitos na polícia, isso dá bem a dimensão da falta de cultura jurídica sobre a questão", destacou. "Ocorrem abusos, delação de forma maldosa com intuito de mentir para encobrir distorções. É a delação mentirosa."