Título: 15 anos depois, Alemanha ainda está dividida
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Internacional, p. A14

BERLIM - Quinz e anos após a reunificação, 5 milhões de pessoas estão sem emprego na Alemanha e as desigualdades regionais ainda não foram superadas: a taxa de desemprego no leste (18,2 %) é quase o dobro do índice no oeste (9,6%). Foram investidos mais de 1,2 trilhão na antiga Alemanha Oriental (a RDA, República Democrática da Alemanha) desde 1990, mas quase um quinto da população economicamente ativa continua sem trabalho. "A situação econômica dos Estados do leste ainda é muito diferente do oeste. Acreditamos que a homogeneidade leve pelo menos mais 30 anos para se concretizar", declarou o diretor do Departamento de Orçamento Federal do Ministério das Finanças, Klaus Stein.

Depoimentos de pessoas que conheceram as duas Alemanhas revelam opiniões contraditórias em relação às mudanças e críticas à forma como o processo de reunificação foi conduzido. Para o dramaturgo Michael Wildt, diretor do Arquivo do Movimento Popular, em Leipzig, a Alemanha Oriental foi "engolida" pela Ocidental.

"O que os grupos reivindicavam não foi realizado. As pessoas queriam independência, mas não automaticamente serem engolidas pela parte ocidental, porque algumas coisas eram boas na RDA, como saúde e educação. A sociedade de hoje não tem mais a solidariedade de antigamente. A mudança veio depressa demais", disse Wildt, que foi membro por dez anos do esquerdista PDS, antigo Partido Comunista, o único no lado oriental, e hoje vota nos verdes. "Nos anos 80, nenhum dos dois lados tinha um projeto de unificação. Hoje, alunos de 15 anos não sabem nada da história recente. Muitos tendem a apoiar partidos da esquerda sem perceber que a RDA era uma ditadura. Há desilusão entre as pessoas que estavam engajadas nos anos 80 com a forma como a reunificação foi feita."

Peter Kollewe, secretário de redação do Neues Deutschland, antigo jornal do partido único, vê efeitos positivos com o fim do regime comunista. "Eu, pessoalmente, não quero voltar aos tempos de antes de 1989. Muitas pessoas que viveram sob o regime querem voltar. Além da liberdade de viagem e de todas as outras coisas, houve um efeito positivo. As pessoas eram meio dependentes do regime, não precisavam fazer nada, só se deixar levar, ficavam enferrujadas, preguiçosas, agora têm de agir, botar os pés no chão para conseguir alguma coisa na vida. Isso é positivo. Mas não foi muito positivo ter acontecido de maneira tão rápida. Muitos não conseguiram se adaptar ao ritmo", declarou o jornalista.

Até 1989, o diário socialista mantinha tiragem de 1,3 milhão de exemplares. Hoje, vende 50 mil. Tinha 700 empregados durante o regime comunista. Hoje, cerca de 100. É uma empresa capitalista, mas ainda se autodefine como um jornal socialista.

Segundo Kollewe, o diário tem independência editorial, sem interferência do PDS, que se mantém oficialmente como dono da publicação. "O fato é que a nova Alemanha não precisa mais de algumas pessoas. Empresas, indústrias, tudo ficou duplicado. As empresas ocidentais compravam as orientais e as fechavam. O capital da Alemanha Ocidental desrespeitou a política. A forma como tudo foi feito não foi boa, muitas pessoas perderam empregos. Podíamos ter seguido outro caminho. Ainda não existe um equilíbrio entre os dois lados. As fontes de ajuda econômica não são suficientes e os Estados do leste não têm como investir."

Já Irmtraut Hollitzer, uma das fundadoras, em 1990, do Museu da Stasi, polícia política do regime comunista, acha que tudo melhorou. "Nunca me identifiquei com a RDA. A liberdade é um bem importante que não pode ser compensado. A separação é algo fora do normal. Faço parte das pessoas que acham que tudo melhorou. Algumas começam a idealizar como era antes. Talvez haja um pouco de frustração em relação ao que pensavam que iam ter depois da reunificação, pertences, dinheiro", afirma.

Ela, que trabalhava como encadernadora na Alemanha comunista, diz gostar do novo sistema, mas admite que há rachaduras. "Antes, o governo tinha poder, hoje são as grandes empresas, que compram terrenos fora das cidades e acabam com as pequenas lojas."

Indagado sobre que regime prefere, Roger Sachs, taxista em Weimar, pensa um pouco mas responde com convicção: comunismo. "Naquela época, havia trabalho em grupo, hoje é cada um por si, individualmente, cuidando do seu quintal. É capitalismo, querem dinheiro. São duas formas de vida diferentes. Se eu pudesse escolher, escolheria o comunismo. Para gente pequena era melhor, tinha trabalho, tinha como cuidar da família. Hoje isso é mais difícil", disse, ressalvando que hoje há liberdade de pensar de forma diferente. Para ele, a Alemanha não está unida. "É um país, duas nações diferentes, ainda separadas."

Seu colega , o taxista turco Ayhan Tazegül, também disse preferir a vida na época do Muro de Berlim, erguido em 1961 e derrubado em 1989. "Era melhor antes, com o muro. Hoje, além de não ter trabalho, tem racismo", afirmou.

Coordenador da última campanha do partido de esquerda Wasg (Alternativa Eleitoral por Trabalho e Justiça Social) em Berlim, Michael Prütz conta que sua namorada, jornalista, perdeu o emprego porque a redação onde trabalhava foi fechada. "Ela recebia 1.200 de seguro desemprego há alguns anos, hoje ganha 700. Nas agências de emprego, alegam que não podem fazer nada por ela, porque não há trabalho." Ele diz que, se a população de Berlim fosse consultada numa pesquisa, até 50% dos moradores da parte ocidental iam querer o muro de volta.

O cientista político Gero Neugebauer, de 62 anos, professor da Universidade Livre de Berlim, afirma que a situação no leste está piorando. "Acredito que haverá problemas por mais uma geração. O poder de compra é o mesmo desde 1999. Há um esvaziamento e conflitos. Falta infra-estrutura, fábricas, desenvolvimento econômico e integração das elites políticas", declarou. Segundo Neugebauer, há xenofobia, machismo e nacionalismo. "Se o governo não resolver os problemas pode haver um ressurgimento do populismo, tanto de direita quanto de esquerda", avalia.

O porta-voz do museu do campo de concentração de Sachsenhausen, Horst Seferens, acha que os alemães não esquecerão o que passou. "As pessoas tinham medo que a Alemanha esquecesse o passado com a reunificação. O memorial do Holocausto, em Berlim, é um exemplo de que os alemães não esqueceram. É um problema para toda a Alemanha ter uma história como esta. Acho importante pensar no que aconteceu, mas não fico só no passado. Isso nos ajuda a pensar em nossa sociedade e nos estrangeiros que vivem em nossa sociedade", disse.

Para o professor de história da arquitetura da Universidade Bauhaus em Weimar, Achim Preiss, a sociedade alemã está em fase de dissolução. "Hoje em dia o que está ocorrendo é a dissolução da comunidade. Atualmente, talvez a única coisa que una a Alemanha seja a moral. Isso você não pode construir. Hoje não temos nenhum símbolo."