Título: O desafio da Turquia: conquistar os europeus
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Internacional, p. A15

LUXEMBURGO - A abertura de negociações para admissão da Turquia na União Européia está sendo considerada por muitos líderes europeus como uma nova era nas relações entre o Ocidente e o Islã. "O mundo abriu seus olhos para um novo dia em que Oriente, Ocidente, Europa e o Islã vão avançar para a união em lugar do confronto", exultou o chanceler turco, Abdala Gul. "A Turquia terá agora uma grande tarefa pela frente: conquistar o coração dos europeus", destacou o português José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Européia (órgão executivo da União Européia) numa referência à opinião pública, em sua maioria hostil ao ingresso dos turcos ao bloco. Integrar a comunidade européia é uma antiga aspiração da Turquia que expressou esse desejo pela primeira vez há 40 anos.

"A intenção da União Européia é deixar para nossos filhos um espaço, o mais amplo possível, para a paz e a democracia", reagiu o presidente francês, Jacques Chirac. Mas ele fez uma ressalva: "A Turquia precisará fazer uma revolução cultural maiúscula para cumprir as metas de ingresso. Vai conseguir? Não sei. Espero que sim."

"Não poderíamos deixar passar esta oportunidade de estabelecer uma ponte entre o Ocidente e o mundo islâmico", opinou, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi.

Iniciadas solenemente na madrugada de ontem, as conversações prosseguiram durante todo o dia. "Serão árduas, transparentes e prolongadas", estimou o primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin.

As previsões mais otimistas indicam que a Turquia levará pelo menos uma década para adaptar suas leis aos 35 capítulos do direito comunitário. Deixando de lado a euforia inicial, o próprio chanceler Gul admitiu as "imensas dificuldades" que seu governo terá pela frente. "Enfrentar momentos de decepção, surgirão obstáculos, mas saberemos superá-los", disse.

Por sua vez, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, comentou em Ancara que o verdadeiro trabalho acaba de começar. "Haverá uma grande batalha para aplicar completamente as reformas", reconheceu. Mas fez uma previsão otimista: "Com a Turquia, a União Européia será uma grande potência global."

A partir de agora, a Turquia, país de 70 milhões de habitantes, em sua maioria muçulmanos, estará sob minucioso exame das autoridades de Bruxelas e, principalmente, da opinião pública européia. De uma maneira geral, os europeus vêem com reticência a inclusão dos turcos na comunidade por questões religiosas e geográficas (a maior parte do território turco fica na Ásia), autoritarismo de seus governos e transgressões aos direitos humanos e às liberdades civis. A Constituição de alguns países da comunidade estabelece a realização de referendos sobre a admissão de novos sócios no chamado clube europeu. É o caso da França. Se, por exemplo, os franceses rejeitarem os turcos, eles continuarão fora da UE mesmo que cumpram todas as normas de ingresso.

Diante desse quadro, líderes europeus começaram a insistir na necessidade de deixar de lado as diferenças e dar uma oportunidade aos turcos. "Vamos oferecer à Turquia uma possibilidade eqüitativa para demonstrar que é capaz de cumprir todas as obrigações exigidas pela adesão", disse o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso. "A Europa deve aprender a conhecer melhor a Turquia e a Turquia deve ganhar o coração e o espírito dos cidadãos europeus, porque, na realidade, eles é que vão aprovar ou rejeitar a admissão", concluiu ele, dirigindo-se aos negociadores turcos.