Título: Para ONU, jovens estão em risco
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Vida&, p. A20

RIO - Eles formam um universo de 1,2 bilhão de pessoas - 18% da população mundial - e estão em risco. Em idade entre 15 e 24 anos, mais de 200 milhões vivem com menos de US$ 1 por dia e 88 milhões, sem emprego. Além disso, são extremamente vulneráveis à epidemia da aids: 10 milhões têm a doença e 50% das novas infecções por HIV os atingem. Força essencial para o desenvolvimento das nações, estão começando a beber cada vez mais cedo e sofrem ainda os efeitos dos conflitos armados, seja por recrutamento forçado ou como alvo de violência sexual. Na última década, a guerra dizimou 2 milhões deles.

Os dados são do Relatório Mundial sobre a Juventude 2005, lançado ontem pelas Nações Unidas. Dez anos após sua primeira edição, o documento, que avalia ações em 15 áreas prioritárias traçadas pelo Programa Mundial para a Juventude criado pela ONU, chama atenção para "a grande necessidade" de os países aumentarem os investimentos em políticas direcionadas para os jovens.

Apesar de reconhecer avanços, como o aumento do número de crianças na escola e na universidade, o subsecretário-geral da ONU, José Antonio Ocampo, avalia que as políticas existentes ainda são baseadas em estereótipos negativos da juventude, com atenção excessiva à delinqüência, à violência e ao abuso de drogas. "Este tipo de política ignora a maioria da juventude que não está associada a este tipo de comportamento de alto risco. E desvia a atenção da necessidade de investimentos estruturais em educação, assistência à saúde e criação de empregos."

As diferenças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento estão se tornando cada vez menos aparentes, diz o relatório - um reflexo da urbanização e da globalização, que contribuem para uma emergente cultura jovem impulsionada pelos meios de comunicação.

A integração entre as economias e as sociedades, destaca a ONU, tem afetado os jovens de forma ambígua. Embora sejam mais flexíveis e, portanto, mais facilmente adaptáveis à nova realidade mundial, aproveitando as oportunidades, muitos dos que estão entre 15 e 24 anos, especialmente nos países em desenvolvimento, são alijados das oportunidades que a globalização oferece.

Daí a migração crescente de jovens, que deixam seu país para, ilegalmente, tentar a vida em nações mais desenvolvidas. Há uma estimativa de que eles somam hoje 26 milhões, ou seja, 15% do total de pessoas que tentam fazer fortuna fora de seu lugar de origem.

Professor de antropologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gilberto Velho diz que a juventude sempre foi a fase de maior risco, em todas as sociedades desde a Pré-História. A diferença para os dias de hoje, segundo ele, é a amplitude desses perigos. "Um homem-bomba pode matar dezenas", exemplifica. Essa maior exposição aos riscos, prossegue, faz parte do perfil biossocial da juventude, que é quem vai servir nas tropas, aderir ao terrorismo ou integrar as gangues urbanas.

Velho explica que essa tendência é maior entre os jovens porque eles já se desligaram da família, mas ainda não constituíram seus próprios laços sociais. É uma fase de aventura, na qual a ilusão de liberdade os expõe a maiores riscos. "Vivemos numa sociedade de risco, sob a ameaça permanente de uma guerra nuclear, ataques terroristas, seqüestro relâmpago ou assalto na esquina. Essas ameaças atingem a todos, mas os jovens estão mais diretamente envolvidos, seja como vítima ou como algoz."

Das áreas prioritárias citadas no relatório, a ONU destaca como emergenciais a pobreza, os conflitos armados e o surgimento de uma cultura impulsionada pela mídia. Entre os investimentos que o organismo sugere para a redução da pobreza estão, por exemplo, melhoria do ensino público médio e superior, aconselhamento sobre reprodução e saúde sexual, bolsas de estudo para as adolescentes - as primeiras retiradas da escola quando surgem dificuldades em casa -, programas de transferência de renda e projetos de redução do fumo.