Título: Empresas deixam preconceito de lado e ajudam a combater a aids
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Economia & Negócios, p. B16

Falar de aids e de transmissão do vírus HIV no ambiente profissional já foi considerado um tabu por muitas empresas, bem como assegurar qualidade de vida e condições de trabalho adequadas para o funcionário portador do vírus. Hoje, porém, muita coisa mudou, e boa parte das empresas brasileiras já tem programas internos estruturados de prevenção à doença e conscientização dos trabalhadores, que em alguns casos até avançam para além dos portões da empresa e são estendidos à comunidade. Essa mudança de comportamento se deve, em parte, ao trabalho desempenhado pelo Conselho Empresarial Nacional de Prevenção ao HIV/Aids (CENaids), entidade criada pelo Ministério da Saúde em 1998 para estimular ações de prevenção da doença nas empresas. Hoje, o CENaids tem a adesão de 23 empresas, de fabricantes de cosméticos a bancos, todas reconhecidas pelas suas ações nesse campo. Para que as boas práticas não se limitassem às grandes empresas, todas dotadas de boa infra-estrutura para trabalhar com temas de saúde e qualidade de vida, o conselho concedeu um prêmio para reconhecer o empenho das companhias. A primeira edição, cuja entrega foi na segunda-feira, em São Paulo, teve 50 inscritos e uma surpresa: a participação de muitas pequenas e médias empresas.

"As grandes empresas já começaram seus programas de prevenção em meados da década de 80, quando os primeiros casos da doença começaram a vir à tona. Nosso foco de trabalho é dar condições à pequena empresa, que já está convencida da necessidade de abordar o tema, de lidar com o assunto", diz Murilo Moreira, presidente do CENaids. O prêmio concedido pela entidade, com quatro categorias - micro, pequena, média e grande empresa - contemplou grupos reconhecidos localmente, como o Hotel Costa Mar, de Maceió, a Darthel Indústria de Plásticos, de Caxias do Sul, o Laboratório Sabin, de Brasília, e o varejista A.R. Filho, de Macapá.

Em comum, todas tiveram a sensibilidade de abordar o tema da prevenção com os funcionários e, em alguns casos, também com as famílias e comunidade, de forma honesta, com informações e distribuição de preservativos. "Não se pode esperar só pelas ações do Estado; as empresas têm de fazer a sua parte", diz João Rabello, responsável pela aplicação do programa no Grupo A.R. Filho. A idéia era promover a prevenção entre os 600 funcionários da empresa, mas logo as iniciativas envolveram também os familiares, em eventos temáticos, como caminhadas e passeios ciclísticos.

PATAMAR ALTO

Dados oficiais indicam que a epidemia de aids no Brasil está em processo de estabilização, embora em patamares elevados. Em 2003, foram 32 mil casos novos. Entre 1980 e 2004 foram contabilizados 363 mil casos da doença. Em número de portadores do vírus HIV, são 600 mil. "Estamos aquém das previsões do Banco Mundial, que fez um prognóstico de que o Brasil teria 1,2 milhão de portadores do vírus em 2000", diz o ministro da Saúde, José Saraiva Felipe. "Temos conseguido trabalhar a prevenção da aids sem contaminação moralista, com a substituição de seringas para usuários de drogas e distribuição de preservativos".

Para Murilo Moreira, do CENaids, a participação das empresas tem sido fundamental para que os índices de contaminação por HIV se mantenham menos alarmantes. "O desafio hoje é combater a falsa noção de que a doença arrefeceu, provocada em parte pela qualidade de vida assegurada pelos medicamentos", diz. "Temos de continuar insistindo na mensagem da prevenção."

A fabricante de eletroeletrônicos Philips, uma das integrantes do CENaids, mantém desde 1986 um modelo de programa de prevenção do HIV considerado referência para toda a América Latina, e tem na conscientização dos funcionários o ponto de partida. No início, foram ações pontuais, que a partir de 1997 foram mais bem estruturadas, com a criação de grupos de voluntários para atuar em sensibilização.

"O maior desafio foi tratar do tema sexualidade, ainda considerado um tabu", diz Renato Barreiros, gerente de Saúde e Qualidade de Vida da Philips. Com o tempo e o apoio da direção da empresa, as barreiras foram atenuadas. "Hoje, distribuir preservativos é tão corriqueiro quanto distribuir os comprovantes de pagamento; não causa mais constrangimento", brinca.

A empresa também presta assistência a funcionários que têm a doença, com acompanhamento psicológico e o fornecimento do coquetel de medicamentos, quando não estiverem disponíveis na rede pública. As ações de conscientização já atingem escolas públicas das cidades onde a empresa mantém unidades.