Título: Governo e Abbott se preparam para fechar acordo sobre Kaletra
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Vida&, p. A17

Preço oferecido pelo laboratório para o antiaids é menor que o apresentado em negociações com ex-ministro

Depois de vários meses de negociação, um trato feito e, logo depois, desfeito, o Ministério da Saúde anuncia estar próximo de um acordo sobre o preço do antiaids Kaletra, do Laboratório Abbott. Ontem, o ministro da Saúde, Saraiva Felipe, informou que o novo contrato com o fabricante está prestes a ser formalizado. E, com ele, fica descartada a necessidade de quebra de patente do remédio, um dos mais caros anti-retrovirais usados no País. A convicção do ministro tem como ponto de partida o preço oferecido pelo Abbott para a unidade do medicamento: U$ 0,63, quase metade do US$ 1,17 pago atualmente. O comunicado sobre o acordo era esperado para ser feito ontem mesmo, durante a entrega do 1º Prêmio Nacional CEN Aids no Mundo do Trabalho, em São Paulo. Mas Saraiva Felipe informou ser necessário ainda discutir alguns pontos importantes, que, segundo ele, envolvem a "própria soberania nacional". Entre elas, a imposição de que o governo não possa questionar o laboratório em nada, em qualquer momento.

Apesar de o impasse envolver uma questão tão importante, o ministro dá como certo o contrato. Saraiva Felipe estima que o acordo seja assinado amanhã. Ele passaria a vigorar a partir de março. O contrato em vigor tem validade até fevereiro. Para especialistas, o desfecho rápido já era esperado, por causa do estoque.

Pelos cálculos feitos pelo governo, a redução do preço do Kaletra pode trazer uma economia para o Programa Nacional de DST-Aids de US$ 339,5 milhões, até 2011, data prevista para o fim do contrato. Neste ano, estima-se que 23.400 pessoas façam uso do Kaletra, um número 246% superior ao registrado em 2002, quando o medicamento entrou no País. Neste período, os custos com a compra do medicamento subiram de US$ 35,2 milhões para US$ 91,6 milhões.

GARANTIAS

Além da redução de preço, a proposta do Abbott prevê a continuidade do programa de doação do Kaletra infantil e a garantia de que a nova formulação do Kaletra - o Meltrex - seja vendida com acréscimo de 10% sobre os US$ 0,63. O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Jarbas Barbosa, afirmou que o acordo não faz referências sobre transferência de tecnologia. Ele disse, ainda, que não há imposições do laboratório sobre o consumo de medicamentos no País. "Nossa previsão é de que haja um aumento de 6 mil pacientes por ano. Mas, se por algum motivo, quisermos reduzir drasticamente o consumo, o preço será mantido." Em contrapartida, não haverá desconto no caso de o remédio ter um crescimento acima do planejado.

O valor de US$ 0,63 ofertado pelo laboratório Abbott é menor do que o exigido em junho pelo então ministro da Saúde, Humberto Costa: US$ 0,69. Na época, Costa havia afirmado que, caso o preço não fosse atendido, o governo recorreria à licença compulsória. Uma negociação foi iniciada e, no dia em que deixou o cargo, um acordo foi anunciado.

Na época, não foi informado qual o valor unitário do medicamento. O ministério dizia apenas que haveria uma redução paulatina do preço, acompanhada de um aumento de remédios vendidos e uma transferência de tecnologia, mas que seria realizada às vésperas do fim da patente do Kaletra. O Abbott encarregou-se de desmentir as condições do acordo. Especialistas e ONGs não pouparam críticas ao resultado final.

Logo ao assumir, o ministro Saraiva Felipe desmentiu o trato. Disse que não havia nada formalizado e novas discussões foram abertas. Neste meio tempo, laboratórios oficiais, que ficariam encarregados de produzir o medicamento, garantiram que poderiam reduzir ainda mais o preço: de US$ 0,69 para US$ 0,41. "Mas até hoje, eles nunca comprovaram como chegariam a tal valor", disse Barbosa.

Consultor-sênior do Programa Estadual de DST-Aids, e um dos responsáveis pela aceitação do conceito de que medicamento não é mercadoria, Paulo Teixeira não quis comentar o eventual acordo. "É preciso ver os detalhes antes." Como exemplo, ele cita o acordo feito por Costa, "anunciado como grande avanço, mas que, na verdade, seria péssimo para o País". E faz um apelo ao Ministério da Saúde: tornar pública a proposta antes de o acordo ser formalizado. "O preço, por si só, pode ser bom. Mas pode haver exigências descabidas."