Título: Governo viola lei ao pagar por artigos favoráveis
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Internacional, p. A14

Auditores federais concluem que a administração Bush veiculou propaganda dissimulada, violando proibição estatutária

Auditores federais disseram sexta-feira que o governo Bush violou a lei ao comprar cobertura noticiosa favorável às políticas educacionais do presidente, fazer pagamentos ao comentarista conservador Armstrong Williams e contratar uma companhia de relações públicas para analisar as impressões da mídia sobre o Partido Republicano. Num relatório severo, os investigadores do Escritório de Responsabilidade do Governo (GAO, na sigla em inglês) afirmaram que a administração Bush veiculou "propaganda dissimulada" nos EUA, violando uma proibição estatutária.

O contrato com Williams e os contornos gerais da campanha de relações públicas eram conhecidos havia meses. O relatório de sexta-feira ofereceu o primeiro veredicto definitivo sobre as práticas.

Os advogados do GAO, um braço do Congresso independente e apartidário, concluíram que o governo analisou artigos noticiosos sistematicamente para conferir se eles continham a mensagem de que "a administração Bush/ o Partido Republicano tem compromisso com a educação".

Os auditores declararam: "Não vemos utilidade para tal informação, a não ser para fins políticos partidários. O envolvimento numa atividade puramente política como esta não é um uso adequado de fundos alocados." O relatório também criticou duramente o Departamento de Educação por determinar que a companhia de relações públicas Ketchum Inc. pagasse Williams por artigos em jornais e aparições na TV elogiando a iniciativa educacional de Bush, a lei Nenhuma Criança Deixada para Trás.

Quando esse acerto veio a público, motivou uma onda de críticas. Numa entrevista coletiva em janeiro, Bush afirmou: "Não pagaremos comentaristas para promover nossa agenda. Nossa agenda deve ser capaz de se sustentar sozinha." Mas o Departamento de Educação defendeu os pagamentos a Williams, afirmando que seus comentários "não eram mais que a legítima divulgação de informações ao público". O GAO assinalou que o Departamento de Educação não tem dinheiro nem autoridade para "obter comentários favoráveis em violação da proibição de publicidade ou propaganda", imposta pela lei federal.

A decisão não inclui uma punição. No entanto, pela lei federal, o departamento deve comunicar as violações à Casa Branca e ao Congresso.

Na investigação, o GAO descobriu um caso anteriormente não revelado em que o Departamento de Educação encomendou um artigo de jornal. O artigo, sobre o "decadente conhecimento científico dos estudantes", foi distribuído pelo Sindicato Precis Norte-Americano e apareceu em vários jornais pequenos. Os leitores não foram informados sobre o papel do governo na redação do artigo, que elogiou o papel do departamento na promoção da educação científica.

Os auditores denunciaram uma notícia de TV preconcebida divulgada pelo Departamento de Educação. A peça, um "release em vídeo" narrado por uma mulher chamada Karen Ryan, afirmou que o programa de Bush para o ensino complementar das crianças ganhara "nota 10". Karen também narrou dois vídeos elogiando o novo benefício de medicamentos do programa de saúde Medicare no ano passado. Nessas peças, como no vídeo sobre a educação, ela concluiu com a frase: "Em Washington, reportagem de Karen Ryan."

As peças televisivas não revelaram ter sido preparadas e distribuídas pelo governo. O GAO não informou quantas emissoras veicularam as reportagens.

Os esforços de relações públicas vieram à luz semanas antes de Margaret Spellings tornar-se secretária da Educação, em janeiro. Susan Aspey, uma porta-voz da secretária, afirmou sexta-feira que ela considerou os esforços "tolos, equivocados e imprudentes". Segundo a porta-voz, Margaret adotou medidas "para garantir que esse tipo de deslize não se repita".

A investigação do GAO foi pedida pelos senadores democratas Frank Lautenberg, de New Jersey, e Edward Kennedy, de Massachusetts. Lautenberg manifestou preocupação com uma seção do relatório em que os investigadores disseram não ter encontrado registros confirmando que Williams desempenhou todas as atividades pelas quais cobrou do governo.

O Departamento de Educação disse ter pago US$ 186 mil à Ketchum por serviços prestados pela companhia de Williams. Mas não forneceu transcrições de discursos e artigos ou registros de outros serviços faturados por Williams, afirmou o relatório.

Em março, o Escritório de Aconselhamento Legal do Departamento de Justiça assinalou que as agências federais não precisam reconhecer seu papel na produção de peças noticiosas televisivas se elas forem factuais. O inspetor-geral do Departamento de Educação reiterou essa posição recentemente.

Mas o GAO afirmou sexta-feira: "Uma agência que deixa de se identificar como a fonte de uma notícia preparada engana o espectador ao encorajar a audiência a acreditar que a emissora noticiosa desenvolveu a informação. As notícias preconcebidas são planejadas intencionalmente para que não se possa distingui-las das peças noticiosas exibidas ao público. Quando o espectador televisivo não sabe que as histórias sobre o governo às quais assistiu em programas noticiosos foram na verdade preparadas pelo governo, as histórias deixam de ser, neste sentido, puramente factuais. O fato essencial da atribuição está ausente."

O Congresso tentou tornar mais clara a proibição da "propaganda dissimulada" numa lei assinada por Bush em maio. A lei diz que o dinheiro federal só pode ser usado para a produção ou distribuição de notícias se o papel do governo for abertamente reconhecido.