Título: Projeto da União Européia já não inflama
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Internacional, p. A13

Finalmente foram abertas as negociações sobre a adesão da Turquia à União Européia, depois de um final de semana de negociações tensas. Os 25 países da UE e a Turquia conseguiram chegar a uma posição comum sobre os termos da negociação. Esta tem por objetivo oferecer à Turquia um lugar como membro com plenos direitos em Bruxelas, ao contrário do que defendia a Áustria, que queria o país muçulmano apenas "associado". Caso tivesse acabado em fiasco, o contato com os turcos seria mais uma desventura da União Européia nos últimos meses. O pior deles foi a rejeição, pelos eleitores da França e da Holanda, da nova Constituição européia - que visava dar um novo quadro legal a uma Europa em constante ampliação, já integrada por nada menos que 25 membros.

A Turquia, conduzida por seu primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, havia esposado com paixão o projeto europeu. Para Ancara, a Europa era o Paraíso. Mas as contradições, as reticências, as coqueterias que os europeus multiplicaram estão causando um endurecendo da opinião pública turca que beira a rejeição. Assistimos a este fenômeno extraordinário: os turcos, apaixonadamente "eurófilos", hoje são tentados pelo "euroceticismo".

Em 2004, 73% deles eram favoráveis à Europa. Hoje, a proporção caiu para 57%, e pela lógica, deverá baixar ainda mais mesmo com a retomada das negociações.

Um movimento paralelo pode ser observado no interior da União Européia. Há alguns meses, a Europa perdeu seus atrativos. É bem verdade que já faz muito que a União Européia deixou de fazer a Europa sonhar. Mas ao menos os europeus achavam que a União Européia lhes traria alguns benefícios no plano material (economia, etc.).

Ao casamento por amor e paixão dos anos heróicos (1950-70) sucedeu uma espécie de "casamento por razão". Hoje se delineia uma nova etapa e muitos europeus se perguntam se esse casamento "por razão" é verdadeiramente razoável.

Uma pesquisa realizada em cinco países europeus (Alemanha, França, Espanha, Grã-Bretanha e Polônia) apresenta resultados consternadores.

Um terço dos europeus diz que vive pior depois da criação da União Européia. Um terço vive melhor e um terço não vê diferença. Os mais hostis são os franceses, 41% dos quais acham que a Europa piorou seu nível de vida. A Alemanha e a Polônia não se mostram muito mais otimistas.

Por outro lado, a maioria dos alemães (48% contra 28%), dos britânicos (48% contra 20%) e dos franceses (42% contra 26%) estimam que sua identidade e sua cultura estão ameaçadas pela Europa. Outra revelação: sobre o desemprego, 72% dos ingleses, 56% dos franceses e 52% dos alemães julgam que seria mais interessante travar a luta num quadro nacional do que num quadro europeu.

Os poloneses estão igualmente deprimidos e bastante hostis. Se quisermos encontrar uma população que vibre realmente com a Europa, é preciso ir à Espanha, deixando claro que este país, ao sair dos terríveis anos Franco, foi fortemente auxiliado pelos sistemas europeus.

Esses resultados surpreendem os observadores, mas parecem lógicos. A União Européia, a criação do euro, todo esse edifício complicado e mal compreensível foi construído para fortalecer as economias.

Ora, depois algumas dezenas de anos de Europa, percebe-se que o continente menos dinâmico (entre os países avançados), continua sendo, de maneira persistente, a Europa - com a exceção relativa da Inglaterra, que de fato é membro da Europa mas recusou a moeda comum, o euro.