Título: Presidente vai 'negociar' fim da greve de fome
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Nacional, p. A12

Governo está em uma encruzilhada Lula aposta no diálogo com bispo, mas defende transposição

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, na abertura do 5.º Congresso dos Metalúrgicos do ABC, que está disposto a negociar uma saída para o impasse em torno do projeto da transposição, agravado com a greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio. Lula disse que pretende discutir com o religioso sua greve de fome e encontrar uma saída. "Se depender da minha vontade de dialogar, não vou medir esforços para negociar com o frei para ver se a gente consegue encontrar uma solução", afirmou. Lula lembrou que ele próprio já fez greve de fome e que dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, ajudou-o a deixar a greve. "Acho que greve de fome é judiar do próprio corpo e temos de encontrar uma saída."

Durante seu discurso, Lula exaltou os benefícios do projeto, ressaltando que apenas 1% das águas serão transpostas e isso deve favorecer mais de 12 mil famílias.

Em Brasília, o núcleo de coordenação de governo se reuniu no Planalto para discutir uma forma de tentar convencer o bispo a suspender a greve. "A última coisa que o governo deseja, neste momento em que está conseguindo reverter a crise política, após quatro meses, é ser responsabilizado pela morte de um religioso", comentou um auxiliar do presidente.

Hoje, em nova reunião, Lula voltará a discutir o assunto. O presidente não obteve sucesso na tentativa de convencer o bispo a abandonar a greve de fome.

Depois de ler a carta de Lula, levada pelo seu assessor especial, Selvino Heck, o bispo, também por meio de carta, respondeu: "Confirmo minha decisão de permanecer em jejum e oração enquanto não chegar em minhas mãos o documento assinado pelo senhor revogando e arquivando o atual projeto de transposição".

O bispo acrescentou ainda que somente após "não termos mais sob nossas cabeças o fantasma da transposição, estaremos inteiramente abertos para um amplo diálogo e debate nacional, verdadeiro e transparente, discutindo alternativas de convivência com o semi-árido e a oportunidade ou não de realizar a transposição".

Na sua carta, Lula elogia o trabalho do missionário junto às populações carentes e pede que lhe "dê o direito a um novo diálogo e que o esgotemos, como é próprio de pessoas democráticas, antes de gestos definitivos". Lula também propõe uma reunião de emergência para organizar um novo processo de discussão, envolvendo a população.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) avaliou que Lula não agiu com habilidade ao mandar ao encontro do bispo um assessor sem autonomia e sem autoridade para abrir uma negociação.

COMOÇÃO: Contra ou a favor da transposição do São Francisco, os cidadãos de Cabrobó - com cerca de 28 mil habitantes - convergem em um ponto: o governo Lula está numa encruzilhada. Para Maria Alice Freire Menezes, 51 anos, que assistiu à missa das 19h, anteontem, a saída do corpo do bispo em um caixão será uma comoção e o presidente vai ter muita gente contra ele, culpando-o pela morte.

No lado oposto, o secretário de Planejamento e Comunicação de Cabrobó, Cláudio Angelim, acredita que Lula ficará desmoralizado se voltar atrás, suspendendo um projeto de tal porte - orçado em R$ 4,5 milhões - depois de tantas discussões e faltando apenas a autorização definitiva do Ibama, que já concedeu autorização prévia para o projeto.

Para ele e o prefeito do município, Eudes Caldas (PTB), não é a transposição que vai matar o São Francisco, mas a degradação do rio.