Título: 'Rezo para que Lula não carregue o peso da minha morte', diz bispo
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Nacional, p. A12

Cerca de 2 mil pessoas devem participar de manifestações em Cabrobó hoje, aniversário de d. Luiz, em greve de fome desde o dia 26

Há nove dias em greve de fome, d. Luiz Flávio Cappio disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o responsável se ele morrer. "Peço ao Divino Espírito Santo que o ilumine (o presidente) para que ele não carregue, pelo resto da vida, este peso", afirmou o religioso, que é bispo da diocese de Barra (BA). Ele iniciou o jejum no dia 26, com o objetivo de revogar o projeto de transposição do Rio São Francisco. Está instalado na Capela São Sebastião, na periferia de Cabrobó, sertão pernambucano, e ponto de captação das águas do rio para a transposição.

Hoje, dia do seu aniversário de 59 anos, data também dedicada ao rio e à celebração da morte de São Francisco, a expectativa é de que mais de duas mil pessoas participem de vigília, caminhada, manifestações indígenas, como o ritual do toré, jejum, orações e missa a ser celebrada por dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Foram confirmadas as presenças do governador de Sergipe, João Alves (PFL), e dos deputados federais do PV, Fernando Gabeira e Sarney Filho.

Ex-militante do PT, d. Luiz Cappio sempre lutou ao lado dos pobres e fez campanha para Lula. Ele vê com tristeza a crise do governo e as denúncias de corrupção. Afirmou se abster de comentar questões partidárias, não faz mais campanha, mas diz ainda acreditar em Lula. "A postura do governo possibilitou que todas essas coisas viessem à tona", afirmou, ao olhar o lado positivo da crise. "Quem sabe não é o momento de se fazer uma grande lavagem?"

O religioso reiterou que não é contra as pessoas que seriam supostamente beneficiadas pelo projeto de transposição. Ele considera imediatistas e individualistas as posturas de quem defende o projeto sob o argumento de que a economia e o comércio de Cabrobó, por exemplo, seriam aquecidos com a expectativa de obras na área. "A vocação do rio é gerar vida para os pobres", frisou, ao falar para jornalistas na Capela São Sebastião. A movimentação das obras, segundo ele, termina em dois anos e o município e sua população continuam.

Ao seu ver, o governo federal se manteve "surdo" a tudo que se falou e argumentou contra o projeto e "agiu como um rolo compressor". Mesmo assim, mostra-se esperançoso: "Minha fé diz que não vou morrer".

A rotina do bispo tem sido levantar de madrugada, caminhar 300 metros até o rio para banhar-se, voltar à capela, receber romeiros, políticos e gente solidária à sua causa, orar e celebrar missa. O dia termina com a missa da noite, às 19h. Por volta de 20h30, a família fecha a capela.

Ele só se alimenta da água do rio - e ingere a hóstia na comunhão. Dormia numa esteira no início da greve de fome, mas aceitou um colchão para ter um pouco mais de conforto, já que tem perdido muito peso. Ao seu lado estão os irmãos Rita, Rosa Maria e João. Eles prometeram não socorrê-lo, caso perca a consciência por causa da inanição.

BIOGRAFIA

Paulista de Guaratinguetá, filho de pais italianos, d. Luiz Flávio Cappio optou pelo seminário após concluir o Segundo Grau. Entrou na Ordem dos Franciscanos, na cidade natal, e fez noviciado no Rio Grande do Sul.

Transferiu-se para Petrópolis, no Rio, onde, paralelamente à vida religiosa, formou-se em economia pela Universidade Católica de Petrópolis, em 1972.

Em 1973, foi ordenado por dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, em Guaratinguetá, passando a trabalhar na Pastoral Operária, auxiliando o frei Luiz Maria Sartori, com quem morava perto do lixão da Vila Guilherme.

Um ano depois, largou tudo e, sem documentos, foi para a Bahia. Não foi aceito na diocese de Bom Jesus - houve desconfiança de que ele, sem documentos, fosse um subversivo foragido.

Seguiu a pé para Barra e foi aceito pelo então bispo da diocese, d. Tiago Cloin. Atuava nas áreas ribeirinhas e, entre 1993 e 1994, caminhou da nascente à foz do São Francisco. Há oito anos é bispo da diocese de Barra.