Título: A internacionalização da USP
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

A Reitoria da Universidade de São Paulo(USP) está em fase de sucessão. Há cinco candidatos, com muitas propostas.

Entre elas, uma comum a todos, a de ampliar o status internacional da USP para transformá-la numa universidade de classe mundial (UCM), como se diz na literatura sobre o assunto. Para entender melhor o que seria essa transformação recorri a um ótimo artigo de Simon Schwartzman, um brasileiro de dimensão internacional, que estudou Sociologia, Administração Pública e Ciência Política, com doutorado nesta última. Tem experiência acadêmica, governamental e hoje preside o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), no Rio de Janeiro.

Seu artigo, escrito em inglês para um seminário internacional sobre as UCMs, tem título que traduzi como A universidade mais importante do Brasil - entre a ´intelligentsia´, os padrões mundiais e a inclusão social (Rio de Janeiro: Iets, 2005). Esse título deveria ser mais explícito, começando com 'USP, ...', já que ela é o objeto do texto. Mas o importante é o conteúdo dele, que li e subscrevi. Além de apresentar uma retrospectiva histórico-institucional da universidade, esta é situada diante de temas do momento, como a trajetória da internacionalização.

Olhando a USP nesse caminho, Schwartzman argumenta que pelo tamanho, pelas qualificações de seus professores e pelas pesquisas que produz, ela tem nível internacional.

Mas, dados o pequeno número de estudantes e professores estrangeiros, a forma de recrutar estudantes e o uso quase exclusivo da língua portuguesa, a USP é tipicamente local.

Mas por que precisaríamos de UCMs? Citando Philip Altbach, que também escreveu sobre o tema, Schwartzman pondera que a razão não é só a necessidade de participar e de competir internacionalmente nos avanços da ciência e da tecnologia. Também é importante saber que as oportunidades de trabalho crescem mais no setor de serviços, onde há espaço para pessoas com educação geral, que possam ler, escrever e conhecer em mais de uma língua, capazes de entender o contexto social em que vivem e de atuar nele, aqui ou no exterior.

Altbach lista as características das UCMs: reconhecimento internacional, liberdade na pesquisa, no ensino e de expressão, autonomia acadêmica, infra-estrutura e, por último, mas não menos importante, o dinheiro para sustentá-las. Schwartzman diz que a liberdade e a autonomia universitárias são valores que no Brasil sofreram deturpações. A liberdade de pesquisa sofre quando a contagem de pontos em publicações e citações se torna mais importante que o mérito do trabalho realizado. A autonomia universitária é arranhada quando a garantia de estabilidade no emprego é transformada em rígido impedimento à remoção de professores inadequados e à contratação de novos talentos.

A essas características Schwartzman adiciona mais três: o cosmopolitismo (mais professores e estudantes estrangeiros e abertura para o ensino em inglês e espanhol no Brasil), a diversidade (mais que inclusão social, uma abertura a pessoas de diferentes origens e formações culturais e sociais, para permitir a emergência e o fortalecimento de novas e diversificadas lideranças) e práticas de gestão modernas (em que reitores não fiquem a empurrar papéis e a presidir infindáveis reuniões de colegiados, e exista espaço para abrir e fechar departamentos, contratar e dispensar professores, atrair e redirecionar recursos para novas prioridades, sem ter de discutir tudo isso com o governo e negociar cada decisão até mesmo com estudantes e funcionários).

Essa breve síntese das características e dificuldades da internacionalização listadas no artigo não faz justiça à densidade e à utilidade do texto. A íntegra pode ser obtida em www.schwartzman.org. br/simon/pub_artigos.htm.

Como economista e como ex-professor da USP, onde também passei por cargos administrativos e pela Comissão de Orçamento, tendo a enfatizar a necessidade de mais recursos, em particular os financeiros, para uma internacionalização digna do nome. Os recursos da USP não são poucos, e cabe tirar melhor proveito deles, com ou sem internacionalização. Esta, entretanto, exigirá bem mais e a principal fonte, o Estado de São Paulo, já alcançou seu limite, como demonstrado pelas escaramuças recentes em torno do veto do governador Geraldo Alckmin à proposta aprovada na Assembléia Legislativa de ampliação do limite atual.

Entre outras questões da internacionalização em sua dimensão financeira, como ampliar significativamente a participação de professores estrangeiros, oferecendolhes remuneração adequada? Para estudantes estrangeiros serão necessárias bolsas, mas há também a possibilidade de cobrar de quem pode pagar, inclusive dos brasileiros. Como enviar mais professores e estudantes brasileiros ao exterior, com as limitadíssimas verbas das instituições de fomento? Como reter jovens com talento para a carreira universitária, se a remuneração e outras condições da USP estão cada vez menos competitivas diante de alternativas oferecidas no mercado de trabalho, inclusive por instituições particulares de ensino? Não haverá sentido em cobrar do futuro reitor que no seu mandato quadrienal a USP alcance uma internacionalização quase completa.

Mas é indispensável que mostre um avanço significativo nessa direção, porque, como conclui Schwartzman, a USP '... é uma das poucas instituições no país que têm os recursos intelectuais, materiais e políticos para aceitar, confrontar e vencer esse desafio'. Se os recursos hoje não são suficientes para concluir a última dessas três etapas, inegavelmente eles já existem para avançar em todas elas.