Título: O ministro bem que avisou
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2005, Nacional, p. A6

O presidente Luiz Inácio da Silva reclama da sorte, diz que seu governo é vítima de praga rogada pelos adversários, mas dificilmente poderá atribuir aos maus fluidos da torcida os prejuízos amazônicos que o Brasil terá agora com os negócios de exportação de carne bovina. O surto de aftosa não é obra do acaso nem pegou de surpresa o Ministério da Agricultura, cujo titular, Roberto Rodrigues, reclama desde o primeiro ano de governo da falta de recursos para controle sanitário.

Falou, admoestou, se irritou - algumas vezes em público, outras de forma dura em reuniões internas -, mas não conseguiu convencer nem a área econômica nem o presidente da República de que seus alertas faziam sentido.

Não obteve sucesso ao avisar que se não houvesse cuidado com a fiscalização, o Brasil corria o sério risco de não sustentar sua posição de maior exportador de carne do mundo.

Não foi ouvido nem atendido, a despeito de ser especialista na área, atributo escasso Esplanada dos Ministérios afora.

Roberto Rodrigues desfia inutilmente essa ladainha desde 2003. Dois anos, quase três anos depois, a coisa estourou. No preciso momento em que o presidente da República faz um périplo por países europeus, a Europa embarga as compras de carne brasileira.

Não sendo obra do acaso e evidentemente não sendo também resultado de caso pensado, o surto de aftosa é justamente o que parece ser: produto do desleixo, da ausência de visão estratégica, falta de plano de vôo.

Se isso ocorre com a Agricultura que é uma área de excelência no País, é de se supor que o desmazelo se repita em outros setores. O PT sabia que queria chegar ao poder, sabe que quer continuar nele, mas não faz a mais pálida idéia do que fazer - muito menos de como fazer - no restante do tempo.

O episódio em cartaz é um caso explícito de ineficácia administrativa, ponto central das críticas ao governo antes de a crise dar ao Palácio do Planalto a desculpa de que o País está parado por causa da política. Não é verdade, está parado porque não tem governo competente. Esta é a mensagem subjacente no caso da aftosa.

Se fosse possível apostar,não conviria jogar fichas na hipótese de o presidente da República se pronunciar adequadamente a respeito do tema, sem tergiversar ou transferir a responsabilidade para qualquer ponto ou pessoa bem distante de si.

Roberto Rodrigues cansou de alertar para o risco na área de controle sanitário

O tubarão O ambiente na seara petista entre os cassáveis do mensalão é de cada um por si.

Tem gente na lista dos 13 torcendo com fervor para José Dirceu ser cassado o quanto antes. Pelo seguinte: eles acham que se Dirceu perder o mandato a opinião pública fica satisfeita com a pesca de um tubarão e tenderia a não se importar com a absolvição de um ou outro peixe menor.

Na visão dos defensores dessa tese, esse afrouxamento de espíritos permitiria o fortalecimento do sentimento corporativo dentro da Câmara e deputados que se especializaram na arte de fazer amigos e influenciar pessoas na Casa - como João Paulo Cunha quando presidente, por exemplo - seriam bem votados, digamos assim. É possível que José Dirceu em seu pedestal nem sonhe com o que desejam para ele os companheiros, mas o retrato da situação é esse mesmo, sem retoques.

O porta-voz

O ex-presidente da Câmara João Paulo, que no início na crise, naquela fase das descobertas das mentiras do PT, havia se alquebrado acentuadamente, recuperou o prumo.

Circula pela Casa com pose de majestade e já não exibe o abatimento da época em que mentiu dizendo que sua mulher havia ido à agência do Banco Rural para pagar uma conta de TV a cabo , apresentou à CPI dos Correios essa justificativa por escrito e depois, pego na mentira, ficou com medo de deixar na CPI esse registro de quebra de decoro, e retirou a justificativa. Em seguida, assumiu que havia pedido à mulher para pegar os R$ 50 mil e passou a levar na face o constrangimento com a situação.

Hoje não, clama por justiça, reclama seus direitos e acusa a Mesa da Câmara de cercear suas garantias individuais.

Quer fazer crer que o passado não se passou.

João Paulo está tão aprumado que já assumiu na prática a posição de porta-voz do grupo dos 13: transmite posições, dá orientações, imprime o tom do discurso da rapaziada. Considerando as evidências contra ele, tal representação não é conveniente para diversos integrantes do grupo a respeito dos quais não existem indícios tão claros e uma quebra de decoro já concretizada (a mentira).

O foco

A senadora Ideli Salvatti anuncia novas investigações da CPI dos Correios sobre empréstimos de Marcos Valério para o PSDB de Minas Gerais com a satisfação de quem resolveu um problema. Como se a questão principal fosse ter companhia no banco dos réus e não o fato de estar lá.