Título: ´Sem mudar a lei, caixa 2 não acaba nem no PT´
Autor: Mariana Caetano e Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2005, Nacional, p. A6

O uso de caixa 2 não vai acabar depois da crise que atingiu o PT, a não ser que seja adotado o financiamento público de campanha, com voto em lista para formar as bancadas parlamentares. O diagnóstico é do novo presidente do PT, Ricardo Berzoini, eleito em segundo turno no último domingo com pequena vantagem sobre o gaúcho Raul Pont, representante da esquerda. Deputado federal como os sete petistas envolvidos no escândalo do mensalão, Berzoini afirma que não será 'carrasco' de seus pares e pede cautela no julgamento dos colegas. 'Não devemos ser hipócritas: caixa 2 é algo muito comum na política brasileira', diz ele.

'Sou contra o linchamento de lideranças.' Para Berzoini, até agora 'não há prova' de que os petistas embolsaram o dinheiro arrecadado. 'Se houve destinação pessoal, aí houve corrupção.

Não havendo prova, trata-se de uma ilegalidade eleitoral e cada um deve arcar perante a Justiça. Não perante o partido', afirma o deputado, que assumirá o cargo no próximo dia 22. Ex-ministro do Trabalho e da Previdência, Berzoini acha que o PT deve aguardar o julgamento no Congresso antes de submeter seus parlamentares à Comissão de Ética interna.

Mais: na sua avaliação, 'não há como fiscalizar' a prática do caixa 2 nas campanhas se não houver mudança de regras.

Qual será sua primeira ação como presidente?

Precisamos, de início, construir um ambiente de unidade.

Mas temos uma agenda política para mostrar o que o governo do PT realiza e o que está em jogo nessa disputa que permeia as CPIs. Ou seja, um enfrentamento entre dois projetos: um tucano-pefelista, que governou o Brasil por oito anos, e o que implantamos em 2003, com um saldo muito positivo por ter recolocado o Brasil no caminho do crescimento. Esse desafio de fazer a luta política na sociedade é fundamental para preparar o caminho para 2006.

MasacrisenoPTenogovernoémuito grave. Deputados e dirigentes do partido envolvidos no escândalo não passarão por Comissão de Ética interna?

Não devemos ser açodados nem jogar para a torcida nesse momento. O PT não deve se apressar quando a própria instância de investigação do Legislativo não encontrou provas, por exemplo, da denúncia mais grave do Roberto Jefferson (deputado cassado do PTB) sobre um esquema de corrupção para abastecer a base aliada.

Sobre o caixa 2, tenho dito que não é um caso semelhante ao de corrupção. No caso de caixa 2, defendo a apuração das circunstâncias, da origem e do destino do dinheiro e que se faça uma avaliação do que fere a ética partidária. Não devemos ser hipócritas: caixa 2 é algo muito comum na política brasileira. Sou con tra o linchamento de lideranças. Ninguém até agora assumiu destinação pessoal do dinheiro, não há nenhuma prova. Se houve destinação pessoal, aí houve corrupção. Não havendo prova, trata-se de uma ilegalidade eleitoral e cada um deve arcar perante a Justiça Eleitoral, e não perante o partido.

Mas o partido proíbe o caixa 2...

O caixa 2 é do nosso folclore político. Existem empresas que, em época de campanha, não querem doar formalmente para não sofrer nenhum tipo de pressão em torno delas. Agora, a cobrança que é feita ao PT em relação a isso não é reproduzida em relação ao presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, que já assumiu caixa 2, inclusive com lastro num contrato do governo de Minas, numa situação até mais grave do que aquela colocada hoje em relação ao PT.

Essa cultura deve ser tratada como normal? Não, é uma ilegalidade. Mas, se não enfrentarmos a questão do financiamento público de campanha, na próxima eleição haverá caixa 2.

Não sei aonde, nem como nem quando, mas vai haver.

Dentro e fora do PT?

Dentro e fora do PT. O financiamento privado leva ao caixa 2. E são coisas que as pessoas fazem escondido.

Mas,seé escondido, ofinanciamento público resolve?

Pode não resolver integralmente, mas à medida em que estabelecer punições rigorosíssimas pode ser reduzido fortemente. Financiamento de campanha é problema em todo o mundo, é só ver o caso do assessor do Bush (George W. Bush,presidente dos Estados Unidos).

OproblemapersistiránoPTmesmo depois do que ocorreu?

Não há como fiscalizar, como controlar 100 candidatos, com finanças individuais. Se tiver o voto em lista, isso acaba. O PT vai às ruas para defender sua chapa, acabam as finanças individuais. Aí é possível fiscalizar.

Financiamento público com lista é o passo mais decisivo contra o caixa 2. Mas é bom lembrar que no caixa 2 sempre tem alguém que quer contribuir por fora. Assim como tem o médico que oferece uma consulta mais barata sem nota.

Deputados que renunciarem ao mandato para escapar da cassação terão legenda para disputar a eleição de 2006?

Essa é uma decisão que não compete ao Diretório Nacional, mas, sim, aos diretórios regionais. O PT não pode aplicar punição única: temos de analisar caso a caso. Não vou agir como carrasco aceitando a discriminação contra o PT como dado da realidade.

Osr.achaqueoPTestásendodiscriminado? O partido sempre condenou o que está praticando agora...

Mas o julgamento não deve se basear no que se pregou. É preciso ver se as leis foram ou não infringidas. A aplicação de punições deve ser isonômica, sem privilégios, mas também sem discriminações. O PSDB agora fala em pizza, mas a CPI do Proer, que investigou o socorro aos bancos no governo Fernando Henrique, foi a mais chapa branca da história da República. O relator era o deputado Alberto Goldman (atual líder do PSDB na Câmara) e o Gustavo Fruet (deputado do PSDB que hoje é sub-relator de Movimentação Financeira da CPI dos Correios)

era o presidente. Veja que coisa: Gustavo Fruet, que tanto nos acusa, foi o pizzaiolo-mor da CPI do Proer.

Mudando de assunto, como deve serarelaçãoPT-governoeoprograma do presidente Lula na campanha à reeleição?

´O PSDB agora fala em pizza, mas a CPI do Proer foi a mais chapa branca da República´

Não podemos ser ingênuos na disputa política. Se eu tiver divergências em relação a alguma política de governo, meu papel é fazer chegar isso ao presidente Lula, e não dar entrevista. É possível ter uma relação madura, mesmo com conflitos e contradições. Quanto ao programa, com a experiência prática, quase todas as questões devem ser atualizadas. Temos um governo de sucesso, que superou a crise de 2002, com risco de volta de inflação alta. Há críticas aqui e ali e eu próprio tenho discordâncias sobre a meta de inflação deste ano - que foi tratada de modo muito rigoroso -, mas são pontuais. Em 2006, precisamos projetar uma carta de intenções para o País, mas não achar que é um contrato fechado. O mundo muda, a correlação de forças muda.

O tom das suas cobranças sobre a política econômica também mudou e está bem mais ameno. Por que? Eu, como ministro e parlamentar, podia expressar posicionamentos isolados. Hoje, represento um debate coletivo, a opinião média daqueles que trabalham comigo por um projeto político. Isso é natural da política.

Oresultadodaeleiçãointernaaponta uma divisão profunda no PT. Como superá-la?

Vamos buscar produzir resultados do debate que não seja apenas uma contabilidade burocrática de votos. Não devemos fazer um jogo de matemática, temos de dialogar e negociar com a minoria. Além de reeleger Lula, temos outros desafios, como aprofundar a democracia interna, a transparência nas decisões, a relação com os movimentos sindicais e sociais.