Título: ´Volte aqui em um mês: o rio é um milagre´
Autor: Liège Albuquerque
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2005, Nacional, p. A10

Dois homens passam pelo leito do rio seco com um saco de peixes, exalando um cheiro forte, de carcaça, de morte. 'Pegamos uns que dá para comer, mas tem gente do posto de saúde que diz que não é para comer esses peixes. Só que eles estão quase pulando dentro da canoa', diz o agricultor Rildo Soares Passos de 37 anos. 'Eu acho que eles preferem morrer na frigideira do que virarem comida de urubus', brinca o pedreiro desempregado Valdemir Gomes da Silva, de 41 anos. O caminhão que passa sacolejando pelo leito do rio, agora estrada, levanta a poeira e o cheiro fétido dos peixes podres, mortos às margens do córrego lamacento, atrai moscas. Os urubus e garças fazem um mosaico de preto e branco no céu azul sobre a paisagem de terra rachada. 'As garças ficam comendo as carcaças dos camarões de água doce, os urubus é que comem os peixes mortos', explica o pescador Francisco Borges da Silva, de 61 anos. Francisco olha desolado a paisagem do Rio Manaquiri. Está sem poder trabalhar há mais de um mês, vivendo com a ajuda de amigos. Ele conta que, mesmo com a experiência de 45 anos de pesca, foi surpreendido pela 'lerdeza' dos peixes: 'Tem pescada, tucunaré, curimatã, surubim e os camarões de água doce, que gostam de água talhada, mas que acabaram morrendo.' 'Não entendo como a natureza enganou até os peixes e eles não tiveram tempo de fugir da seca. Se fossem pelo menos piranhas, que só fazem o mal, mas coitadas das pescadas.' Mesmo vivendo da ajuda de vizinhos, Francisco diz que sua fé de que logo tudo vai estar como antes é de experiência, 'não é fé de meteorologista, desses cientistas', mas de quem já viveu pelo menos duas secas iguais. 'A gente, que já viu outras secas, sofre muito, torce por ajuda, mas sabe que vai passar, não é como no Nordeste. Volte aqui em um mês: o rio é um milagre', convida.