Título: Lixo: gasto cresce, serviço, nem tanto
Autor: Bruno Paes Manso e Iuri Pitta
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2005, Metrópole, p. C1

Um ano depois da assinatura dos contratos, a bilionária concessão da coleta e destinação do lixo doméstico e hospitalar de São Paulo segue em compasso de espera. Mantidos por liminares concedidas pela Justiça, os acordos com dois consórcios não estão sendo cumpridos por inteiro, apesar de a Prefeitura pagar desde janeiro os R$ 41 milhões da tarifa mensal. Isso porque a gestão José Serra (PSDB) - que chegou a pedir às empresas que renunciassem aos contratos de 20 anos, de valor estimado em R$ 10 bilhões - ainda espera reduzir esse custo e não bateu martelo sobre o plano de investimentos que os grupos são obrigados a fazer. Desde janeiro, a Prefeitura já reconheceu a execução de oito meses de serviço, num total de quase R$ 328 milhões. Em valores nominais, esse preço supera os R$ 323,5 milhões gastos pelo Município em 2003. A comparação com 2004 fica prejudicada não só pela troca do regime de contrato, como pelo cancelamento de empenhos feitos em dezembro. Na comparação entre o custo anual de 2003 e a estimativa para 2005 (R$ 492 milhões), a variação ultrapassa os 45%, conforme dados fornecidos pelo gabinete do vereador José Aníbal (PSDB). Ao lançar a licitação, em 2003, a gestão Marta Suplicy (PT) argumentava que os investimentos que as concessionárias teriam de fazer justificavam o aumento no custo. Entretanto, parte dessas obrigações está atrasada - os consórcios alegam não ter recebido pelos serviços feitos entre outubro e dezembro de 2004 - ou suspensa, por ordem expressa em ofício enviado pela atual administração municipal às empresas, no início do ano. NEGOCIAÇÃO DURA Na mesa de negociações, as conversas entre os consórcios e a Prefeitura têm sido duras. Em nove meses, foram mais de 40 reuniões na Secretaria de Serviços e mais de 300 cartas trocadas entre as partes. Nos encontros, os presidentes dos consórcios e os técnicos da pasta discutiram as planilhas de custos das empresas para tentar baixar o preço cobrado pelos serviços. O objetivo da Prefeitura era reduzir o valor da coleta para o valor cobrado antes do contrato e incluir os serviços de varrição entre as tarefas das empresas, exigência que os consórcios consideram impraticável. As empresas fizeram uma contraproposta mais modesta: dar um desconto anual na tarifa. A oferta, contudo, não foi suficiente para levar a Prefeitura a tomar uma posição. Conforme os números apresentados pelos consórcios Loga e EcoUrbis, existe margem para negociação nos preços. Os mesmos serviços que antes do contrato eram executados a um custo de R$ 333 milhões hoje são feitos por R$ 298 milhões. A redução decorre dos ganhos de escala que o novo contrato proporcionou às empresas: antes, a coleta da cidade era dividida em nove regiões, como ocorre com os contratos emergenciais de varrição de ruas. Hoje, são só duas áreas. Mesmo assim, as empresas não se mostram dispostas a ceder mais. O secretário de Serviços, Andrea Matarazzo, disse que a negociação entre a Prefeitura e as concessionárias deve ser concluída em no máximo 30 dias. 'A tarifa é composta por dois fatores: investimento e custo do serviço. Nossa ênfase é no segundo item. Podemos reduzir esse valor', argumentou Matarazzo. Há outro ponto: para cumprir promessa de campanha, Serra enviou à Câmara Municipal projeto de lei que acaba com a taxa de lixo doméstico, que garante cerca de R$ 190 milhões anuais ao Fisco paulistano, vinculados ao pagamento da concessão. Enquanto isso, as concessionárias argumentam que já começaram a cumprir parte das obrigações contratuais, como campanhas educativas e a renovação da frota de caminhões. E adotam a diplomacia ao comentar as negociações. 'A Prefeitura tem diversas opções na mão e decidirá qual a melhor', afirma Ricardo Acar, presidente da EcoUrbis. 'Os números discutidos com a Prefeitura atendem ao nível de esforço possível para a empresa', completa Luiz Gonzaga Alves Pereira, presidente da Loga. CRONOGRAMA Essas dificuldades nas negociações têm reflexos no dia-a-dia da cidade. Apesar de o secretário garantir que não há 'nenhum investimento comprometido', programas que já deveriam estar nas ruas de São Paulo estão atrasados. Segundo a Prefeitura e as duas concessionárias, quase metade das favelas da capital tem coleta de lixo porta a porta. 'O contrato estabelece que, em quatro meses, todas as áreas deveriam ser atendidas', observou o vereador Antonio Donato (PT), que questiona a suspensão dos investimentos determinada pela atual gestão. 'O PSDB sempre criticou o custo do modelo, mas a gestão está pagando a tarifa completa sem exigir os investimentos.' O principal investimento exigido, a construção de um novo aterro sanitário em cada lote da concessão, está em estudo, segundo a Prefeitura e as concessionárias. Mas o prazo é curto: em 2007, os dois locais devem estar em funcionamento, pois os atuais - Bandeirantes, no noroeste, e São João, no sudeste - estarão esgotados até lá. Se a cidade não tiver onde depositar o lixo recolhido, terá de recorrer a aterros particulares ou de outros municípios, aumentando o custo do serviço. Outra medida em atraso, pelo cronograma dos contratos, é o uso de contêineres em parte da coleta. Esses equipamentos permitem melhor acondicionamento dos sacos de lixo, prevenindo o entupimento de bocasde-lobo e galerias fluviais e evitam o contato dos trabalhadores com os resíduos, o que reduz o risco de acidentes com materiais cortantes. 'Isso está em análise. Nossa prioridade é fazer o básico funcionar, para depois buscar soluções sofisticadas', justificou Matarazzo. 'Conseguimos avanços, por exemplo, na sintonia entre as concessionárias e as empresas da varrição.' Matarazzo voltou a dizer que a melhor opção seria a renúncia da concessão, por parte das empresas, para a Prefeitura abrir uma licitação com coleta e varrição unificadas, como ocorria antes. 'O ideal é usar o conceito de cidade limpa: a empresa fica responsável por manter uma área sem lixo', disse. 'Esse conceito é impraticável e subjetivo. Por isso, decidiu-se pela concessão e pela varrição por subprefeituras, que a atual gestão resolveu centralizar novamente', disse Donato.