Título: 'Não tem nada com Valério nem com Fu Man Chu', diz doleiro
Autor: Eugênia Lopes e Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2005, Nacional, p. A10

Em depoimento à CPI dos Correios marcado por muitas contradições e evasivas, o doleiro uruguaio Najun Turner, depois de se dizer muito amigo do também doleiro Antônio Claramund, o Toninho da Barcelona, negou que tenha revelado um suposto pagamento de R$ 8 milhões feito pelo PT ao ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) em troca de apoio ao governo Lula. O teor da conversa tinha sido revelado por Toninho da Barcelona em depoimento fechado à CPI. Turner, por sua vez, revelou que ouviu de Toninho da Barcelona o comentário de que fez empréstimo a um político. O uruguaio recusou-se, porém, a revelar o nome que diz ter ouvido do amigo. Toninho da Barcelona e Najun Turner cumprem pena por crimes contra o sistema financeiro e dividiram a mesma cela durante algumas semanas, no início de junho deste ano. Para mostrar a amizade com Toninho da Barcelona, que teria se fortalecido na cadeia, Turner disse que o chama "carinhosamente" de Bimba e mostrou uma carta escrita pelo amigo, agradecendo o apoio.

Quando o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), citou a revelação de Toninho da Barcelona sobre os R$ 8 milhões, o uruguaio respondeu: "Não procede. Se eu até o momento considerava ele um amigo, agora desejo para ele toda felicidade do mundo, mas fico estarrecido." Turner disse que Toninho "não está em seu equilíbrio emocional".

Turner foi convocado pela CPI na tentativa de esclarecer a origem do dinheiro distribuído pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza em um milionário esquema de caixa 2 montado para abastecer políticos do PT e de partidos aliados.

Najun Turner negou conhecer o empresário Marcos Valério e chegou a irritar o sub-relator Gustavo Fruet (PSDB-PR) ao afirmar, sobre as operações com a Bônus Banval: "Não tem nada com Valério, com Marcos, com Fu Man Chu."

Segundo Turner, no processo contra Toninho da Barcelona na 6ª Vara Federal de São Paulo, há uma gravação do doleiro falando com um funcionário de sua empresa, a Barcelona Tour, sobre a dívida de um político. "Ele me falou o nome, mas deve-se perguntar a ele. Não devo comentar um segredo", disse Najun Turner. Cobrado pelo relator para dar mais detalhes sobre o que sabia em relação de dinheiro repassado a políticos, o doleiro lembrou que é judeu e citou o livro sagrado de sua religião: "Uma palavra vale uma moeda. O silêncio vale duas."

Uma das contradições de Turner foi dizer, inicialmente, que ouviu apenas o depoimento do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), em uma rádio AM, na prisão. Meia hora depois, porém, citou trechos do depoimento de Toninho da Barcelona que disse ter ouvido no presídio.

Também comentou o depoimento do publicitário Duda Mendonça. Turner insinutou que Duda não disse a verdade ao revelar que foi obrigado por Marcos Valério Fernandes de Souza a abrir uma conta no exterior para receber as dívidas do PT com publicidade. "Por que entregar dinheiro no exterior, se foi sacado no Brasil? É como se eu estivesse na Avenida Faria Lima e quisesse ir à Avenida Paulista, mas antes passasse por Brasília", comparou Turner.

Outra contradição foi em relação à corretora Bônus Banval, que repassou dinheiro do caixa 2 de Marcos Valério a políticos do PP.

Turner disse ser "muito amigo" do dono da corretora, Enildo Quadrado, mas que nunca fez operações financeiras com a Bônus Banval. Depois, disse que operou na Bônus Banval para a empresa Natimar, do argentino Carlos Quaglia.

Os integrantes da CPI suspeitam que Quaglia seja um laranja de Najun Turner, supostamente o verdadeiro dono da Natimar. O doleiro uruguaio disse que trabalhou durante muito tempo como consultor de Quaglia, indicando as melhores operações a serem feitas no mercado financeiro.

Sobre depósitos feitos pela Natimar na conta da mulher e do filho de Turner, Deusa Maira da Costa Silva e Uri Flato, o doleiro afirmou que foram pagamentos de dívidas que Quaglia tinha com ele. No total, a CPI tem informações sobre depósitos de R$ 123,8 mil. "Ele (Turner) sabe mais sobre a Natimar do que o proprietário da empresa", disse Fruet.

O doleiro disse que orientou Carlos Quaglia a transformar em empréstimo recursos transferidos para a Natimar pela empresa paraguaia Discovery, para realização de exportação de máquinas para a Holanda.

Com uma mudança brusca no câmbio, em 2002, Quaglia não teve mais interesse em fazer a exportação e disse ter convertido o dinheiro em empréstimo, pagando CPMF da mesma maneira. "Ele (Quaglia) me perguntava vinte vezes por dia sobre operações financeiras. Eu orientei quais eram as opções que ele tinha, inclusive converter em empréstimo. É como a dívida brasileira que o Delfim Netto disse, há vinte anos: não se paga; se administra."

Embora tenha desmontado a versão de Toninho da Barcelona sobre a revelação do suposto subordo do PT a Severino Cavalcanti, Najun Turner confirmou outra informação do doleiro. O uruguaio disse que Toninho contou ter sido procurado na prisão por dois advogados que se diziam do PT e queriam saber sobre notícias de que Barcelona seria o "doleiro do PT". "Eu disse para ele não dar nenhuma explicação, porque era coisa que estavam preparando para cima dele. E que, se ele precisasse depor na CPI, deveria procurar primeiro um senador, alguém que não fizesse interpretações diferentes", contou Turner. No fim do depoimento, o doleiro disse que o senador que recomendou era o petista Eduardo Suplicy. "É uma pessoa honesta, séria, idealista", elogiou.