Título: Na favela, ele se diz exemplo; no sindicato, fala de reeleição
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Nacional, p. A4

Em Heliópolis e em São Bernardo, presidente não fala de crise e adota discurso otimista, com tom de campanha eleitoral

No coração da segunda maior favela do País, Heliópolis, em clima de campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva evocou suas origens para apresentar-se como exemplo de superação. Ele enfrenta a pior crise de seu governo e, sem fazer qualquer referência a ela, insistiu que não foi eleito para "fazer as coisas apenas para quem já tem" e completou: "Estamos apenas começando. A gente não pode consertar erros de 500 anos em apenas 4 anos." "Ninguém deve desanimar em situação adversa", afirmou Lula, depois de relatar o trajeto que fez a pé, várias vezes em 1965, da fábrica onde trabalhava, no Ipiranga, até sua casa, na Ponte Preta (divisa com São Caetano), porque não tinha dinheiro para pegar ônibus. "Ninguém pode baixar a cabeça. Se eu tivesse baixado a cabeça, possivelmente eu fosse um derrotado (sic!)", afirmou, para uma platéia formada basicamente de jovens. "Eu levantei a cabeça, lutei e hoje estou aqui presidente da República numa demonstração de que qualquer um de vocês, se acreditar no sonho de vocês, tiverem determinação, amanhã vocês poderão chegar onde cheguei ou chegar muito mais do que onde eu cheguei."

Foi a primeira vez que um presidente esteve em Heliópolis, 120 mil habitantes, dos quais 53% têm até 25 anos. Visitou uma biblioteca comunitária e um centro poliesportivo, onde funciona um programa do governo federal voltado para a formação de jovens, o "Ponto de Cultura". Protegido numa área isolada, circulou a pé na rua lotada do centro, cumprimentou moradores e distribuiu abraços. Levou uma ampla comitiva, que incluía o ministro do Trabalho, Luiz Marinho e dois pré-candidatos ao governo paulista; o senador Aloizio Mercadante e a ex-prefeita Marta Suplicy. Lula foi muito aplaudido, só não chamou tanta atenção quanto o cantor Netinho, que acompanhou o grupo.

Bem-humorado, o presidente fez um longo relato de ações em vários ministérios voltadas à juventude. Destacou que, em 33 meses, a média mensal do saldo de novos postos formais de trabalho criados em seu governo é de 105 mil, 12 vezes superior à do governo passado. Também ressaltou o aumento de 70% no orçamento do Ministério da Cultura.

Em seguida, Lula repetiu que não pode "consertar erros de 500 anos em 4 anos" e criticou a interrupção de projetos por causa da alternância de poder. "É preciso que vocês tenham consciência que o que nós estamos fazendo é dando uma organização de base para que a sociedade brasileira crie uma força tão sedimentada, com as raízes do local onde mora, do local onde nasceu, que qualquer que seja o governo que venha depois não possa mudar", declarou. "Normalmente quem paga o pato é o povo brasileiro, que não tem culpa que os governos não dão seqüência ao trabalho bom que vinha sendo feito."