Título: Lula cobra provas e diz que povo deve ter cautela com denuncismo
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Nacional, p. A4

Em discurso na Fiesp, presidente recomenda cautela à população e exige pedidos de 'desculpa, reparação e retratação'

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que o Brasil viveu os últimos 120 dias "subordinado a centenas e centenas de denúncias" e alertou que a população deve "ter cautela" para analisar os fatos. "Eu disse outro dia que as mentiras e verdades iam aparecer. O povo só precisa ter cautela, porque o denuncismo ficou solto por quatro, cinco meses", afirmou o presidente, muito animado, ao participar da abertura do seminário "Construbusiness", promovido em São Paulo pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A fala de Lula desata a estratégia eleita pelo governo para, depois de quatro meses de defensiva, virar o jogo e passar ao ataque. A estratégia prevê a desqualificação das denúncias, a suavização das versões apresentadas, a insistência na "falta de provas" e, por fim, a dessatanização e o perdão dos petistas envolvidos nos escândalos.

A complementação da estratégia abrange a obstrução no funcionamento das CPIs - tarefa que vem sendo cumprida, nas duas últimas semanas, pelas lideranças do governo no Congresso - e uma reaproximação gradual do presidente com o PT. Ontem mesmo o presidente voltou a estar cercado por lideranças petistas, o que não vinha acontecendo. À medida que a primeira etapa for avançando, o governo passa à execução da segunda etapa, que prevê a exaltação dos números da economia, para exorcizar a crise de vez.

No Congresso, deputados reagiram. O deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) disse que Lula falou em denuncismo para não dar explicações sobre a corrupção. "Ele se esqueceu de que nenhuma das denúncias foi feita pela oposição, mas pelo governistas ou pelo PT", rebateu. O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios, afirmou que "a corrupção nos Correios é endêmica". Ele lembrou que alguns parlamentares já renunciaram ao mandato para não serem punidos, "o que é uma confissão de culpa no recebimento de dinheiro".

DENUNCISMO

Ontem, o presidente atacou o "denuncismo" e se esforçou para transmitir a sua confiança em que a crise política esteja com os dias contados. No palanque, provocou: "Acho que os deputados estão com dificuldades para apurar a concretude das denúncias. O Brasil vive um momento em que as denúncias aparecem e não se concretizam. E não existe pedido de desculpa, reparação, retratação", acentuou.

Lula afirmou que o governo resistirá às tentações para enfrentar a crise política com medidas populistas. Citou como exemplo a proposta da oposição para aumentar o salário mínimo, que ele vetou. "Eu disse que ia vetar porque nem as prefeituras poderiam pagar, nem a Previdência suportaria. Eu sei que isso foi feito para me desgastar politicamente", admitiu.

O primeiro teste da nova estratégia foi posto à prova por protestos patrocinados por dois grupos de estudantes, ontem à tarde, quando Lula chegava ao escritório da Presidência da República em São Paulo.

Portando bandeiras do PSTU, os estudantes gritaram palavras de ordem corporativas ("É mensalinho, é mensalão. Cadê a verba pra educação?") e outras mais agressivas ("É ou não é piada de salão, o chefe da quadrilha é presidente da Nação"). O outro grupo de estudantes protestou contra o projeto de transposição do Rio São Francisco.