Título: Só com dupla agenda
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Notas e Informaçoes, p. A3

O governo cometerá grande erro se julgar que, com sua vitória parlamentar, ao conseguir eleger Aldo Rebelo (PC do B - SP) presidente da Câmara dos Deputados, já debelou a crise em que está profundamente mergulhado, junto com o principal partido da sua maioria parlamentar. É notório demais, para que se precise arrolar demonstrações disso, que no Congresso Nacional há uma ponderável divisão de forças, mais próxima de um "racha" do que de um tranqüilo equilíbrio entre governo e oposição, ruptura essa que se estende a alguns partidos, começando pela segunda bancada na Câmara, o PMDB, e atingindo a primeira - o próprio PT. Sabendo-se como foram obtidos muitos dos votos que geraram essa vitória - especialmente os "soltos" do baixo clero - é de se imaginar os esforços governistas o que serão nas próximas deliberações legislativas, sobre propostas do seu interesse. Erro ainda maior cometerá o governo se, a partir de agora - e sem os disfarces anteriormente utilizados -, assumir ostensivamente o esvaziamento das CPIs, atribuindo-lhes uma "falta de resultados concretos", que justificaria sua perda de importância política. Antes de mais nada, se as CPIs estão dando a impressão de patinar, não há como deixar de responsabilizar, perante a opinião pública, tanto a omissão quanto o boicote de muitos de seus integrantes governistas - embora também se encontre em oposicionistas alguns sinais de afrouxamento. Ora é uma senadora petista (Ideli Salvatti) concitando os colegas a se ausentarem, para impedir quórum - em especial quando se discutem inconvenientes quebras de sigilo -, ora é o próprio presidente da CPMI dos Correios, senador Delcídio Amaral, que deu a si mesmo uma folga de duas semanas - e 13 seções - para resolver seus problemas político-partidários regionais, no que quase tucanou e, depois de audiência presidencial, repetizou.

Há também que se observar - e aí o senador Delcidio Amaral tem razão, quando o aponta - que as CPIs já passaram da "fase do holofote" e agora estão no exame técnico do volumosíssimo material probatório documental. Neste momento, embora seja grande a expectativa do competente sub-relator financeiro da CPMI dos Correios, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), quanto ao depoimento do doleiro Dario Messer na quarta-feira - que poderá dar boas informações sobre percursos de dinheiros no exterior, em abastecimento a contas do PT -, muito mais importante do que os interrogatórios dos parlamentares, sempre concentrados nas câmeras de televisão, são os exames elaborados pela centena de técnicos, especialmente em ciências contábeis, assim como o trabalho das instituições internacionais que estão sendo contratadas para investigar contas suspeitas no exterior.

O mínimo a esperar é que, mesmo desejando "o fim da guerra", como expressou o aliviado e otimista ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Jaques Wagner, o governo Lula não desqualifique o trabalho das CPIs - nas quais os governistas têm apreciável peso -, pela "falta de resultados", pretendendo com isso apressar o fim das investigações para comandar uma "agenda positiva", visando, especialmente, a reeleição em 2006. Não que esta agenda não deva existir, que o governo não tenha o direito de tentar a recuperação política - ou até a realização, ora difícil, do sonho da reeleição. Mas a promessa tão recente, insistentemente alardeada pelo governo, de "apurar tudo e punir responsáveis", não pode, de repente, ser também enfiada tapete abaixo.

O caminho do governo, na verdade, só poderá ser o da dupla agenda, na qual encontre condições de negociação com as forças oposicionistas, tanto na valorização e apoio aos trabalhos das CPIs quanto no encaminhamento e votação de projetos de real importância para o País, que não podem ser postergados por entraves político-partidários. E é claro que para esse duplo esforço o primeiro a ser "convocado" é o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois, se achar que deve continuar passando a maior parte da semana - e agora com o ânimo redobrado pela vitória na Câmara - fazendo discursos reeleitorais pelo País afora, a expectativa que lhe resta, neste último trimestre e no próximo ano inteiro, é uma só: desastre político e administrativo.