Título: Fracasso em Pequim
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Notas e Informações, p. A3

As negociações para redução voluntária de exportações chinesas vão continuar, disse o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, de regresso de uma fracassada incursão a Pequim. Nos próximos dias, segundo o ministro, o governo deverá publicar dois decretos de regulamentação do mecanismo de salvaguardas contra importações da China. Os decretos estão há quatro meses na Casa Civil da Presidência.

A regulamentação não saiu até agora porque o governo tem hesitado em tomar uma atitude mais dura em relação aos parceiros chineses. Estes não hesitaram, no ano passado, em criar entraves ao desembarque de soja brasileira, numa evidente manobra para derrubar preços. Mas o interesse comercial tem menor peso nas decisões tomadas em Brasília.

O Executivo poderia ter publicado os dois decretos, iniciado a introdução de salvaguardas e ao mesmo tempo negociado uma alternativa com as autoridades chinesas. Assim procederam os americanos. As autoridades comerciais de Washington anunciaram a imposição de barreiras em maio. A partir daí, seguiram o procedimento internacionalmente aceito e iniciaram as discussões. O governo dos EUA anunciou na semana passada o fracasso da terceira rodada de negociações, ressalvando ter havido progressos nessa etapa.

Os europeus conseguiram de imediato melhor resultado. Quando ameaçaram impor salvaguardas, Pequim decidiu evitar o confronto e propor a restrição voluntária de exportações. As autoridades chinesas somente reclamaram, com apoio de importadores franceses, a liberação dos produtos já negociados.

Houve comentários otimistas, no Brasil, diante do acordo entre União Européia e China. A solução de aparência fácil, nesse caso, foi tomada como prenúncio de rápido entendimento entre Brasília e Pequim. A avaliação foi mais uma vez errada. Empresários dos setores mais afetados pelo surto de importações de produtos chineses não deixaram de pressionar o governo para impor logo as salvaguardas. Com realismo, defenderam uma ação decidida como prelúdio das negociações oficiais.

As autoridades da China sabem com quem negociam. "Entendemos que o governo brasileiro não adotará salvaguardas agora, embora saibamos que o Brasil está sendo pressionado por sua indústria", disse ao Estado o embaixador Sun Zheniu, representante chinês na OMC. Segundo ele, autoridades brasileiras teriam indicado, logo depois do fracasso das discussões em Pequim, a intenção de não recorrer, por enquanto, às medidas de proteção. Que seja preciso continuar negociando é evidente, mas isso não exclui a adoção de salvaguardas. Em tom de advertência, o embaixador chinês em Genebra já avisou que isso "não seria bom para ninguém". A ameaça de retaliação é indisfarçável.

O governo brasileiro está sendo tratado de acordo com seu comportamento. Primeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu a ingenuidade de imaginar que a China seria uma aliada estratégica, unindo-se ao governo petista, numa grande camaradagem, contra os adversários do Norte.

Depois, prometeu reconhecer à China o status de economia de mercado. Foi mais um erro grave de avaliação. Nenhum governo de país desenvolvido se permitiu uma generosidade tão grande e, mais que isso, tão injustificável diante das conhecidas práticas comerciais da China. Nem com os problemas da soja a diplomacia brasileira parece ter aprendido o mínimo necessário sobre o que realmente importa ao governo chinês - um interesse nacional que não se confunde com nenhum objetivo partilhado.

A China participou da formação do Grupo dos 20, na Rodada Doha de negociações comerciais, porque seus interesses no comércio agrícola coincidem parcialmente com os de outras economias emergentes. Para a diplomacia brasileira, no entanto, o G-20 é uma força redentora dos oprimidos do Sul. Atolado nessa ilusão, não é espantoso que o governo brasileiro se tenha desarmado inteiramente ao tratar do comércio bilateral com as autoridades chinesas. Talvez esteja começando a perceber a realidade, mas também isso é incerto.