Título: Nepotismo na Justiça
Autor: José Pastore*
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2005, Economia & Negócios, p. B2

O Conselho Nacional de Justiça decidiu acabar com o nepotismo nos vários órgãos do Poder Judiciário. Com base nos princípios constitucionais, o Conselho baixou uma resolução que exige o desligamento de todos os funcionários que sejam parentes de magistrados até o terceiro grau. A resolução proibiu também o nepotismo cruzado, ou seja, o caso em que um magistrado emprega um parente de outro magistrado. Doravante, os familiares só poderão ocupar cargos na Justiça mediante concursos públicos. Essa decisão, se implementada, terá um grande alcance. As relações econômicas dependem muito da segurança jurídica e da isenção dos julgamentos. A mera desconfiança de que um funcionário influencie a decisão de um juiz em troca de favores pessoais gera grave intranqüilidade. Isso desestimula investimentos e, por conseqüência, inibe a geração de empregos e o progresso social.

O que se aplica à área econômica vale também às relações do trabalho, aos desajustes familiares, às disputas de sucessão, etc. Por isso já era hora de se ter uma medida rigorosa nesse campo.

O recém-criado Conselho Nacional de Justiça está estreando com o pé direito ao atacar os problemas seculares do nosso aparelho judicial. Mas não podemos exagerar. O problema é bem mais complexo. A resolução aprovada tem de ser encarada apenas como um primeiro passo de uma longa caminhada, pois, além do emprego direto, há inúmeras outras formas de os parentes exercerem influência junto aos magistrados. Dados de 2001 mostraram que, entre os ministros do Superior Tribunal de Justiça, 36% dos seus filhos eram advogados. Dentre os juízes dos tribunais estaduais, o porcentual era de 37%; nos tribunais regionais, 38%; no Tribunal Superior do Trabalho, 42%; e no Supremo Tribunal Federal, 67%! De lá para cá, os porcentuais devem ter crescido bastante.

É importante frisar que os dados acima não levaram em conta as esposas, os genros, as noras, os sobrinhos e as sobrinhas que exercem a advocacia junto a tribunais onde há magistrados parentes. Este é um "lobbismo" dos mais perigosos.

É verdade que a lei proíbe a atuação direta de advogados nos processos sob julgamento de magistrados-parentes. Mas será que esse impedimento é suficiente para evitar o uso de "advogados-laranjas"? Como isso funciona? Que alcance pode ter?

Esse tipo de "lobbismo" pode ir longe. Admitamos que um advogado, para cumprir a lei, não defenda uma ação na jurisdição de um magistrado parente. Mas ele pode montar todo o processo, preparar o magistrado e repassar a parte formal da entrada e tramitação da ação a um colega de confiança. A monitoria do caso seria do primeiro, a rotina processual seria do segundo.

O assunto é polêmico, pois a Constituição federal garante o livre exercício de qualquer profissão. Por isso o Conselho Nacional de Justiça enfrentará sérios problemas de ordem constitucional para equacionar tais problemas.

A busca de uma Justiça isenta constitui a mais importante tarefa daquele Conselho. A redução da ação de lobbies sobre os juízes, em especial a exercida por parentes, exigirá a construção de um arcabouço de regras suficientemente eficientes para impedir o tráfico de influência que, no caso, é praticado entre advogados e julgadores.

As sociedades mais avançadas erguem anteparos muito mais altos do que os nossos e tornam quase impossível para os filhos e parentes se aproveitarem, direta ou indiretamente, do relacionamento familiar para conseguir favores junto aos juízes. Os códigos de ética são severos e as penalidades são aplicadas com muita rapidez e grande visibilidade. É aí que está o seu grande poder preventivo, pois penas aplicadas com lentidão e às escondidas são um convite à contravenção.

O problema é velho e está por ser resolvido. A resolução do Conselho Nacional de Justiça foi um importante primeiro passo. O Conselho precisa continuar na sua superior atuação para cobrir a vasta gama de influências nefastas que pressionam os magistrados em todos os níveis do Poder Judiciário. Tenho fé no trabalho desse Conselho. Penso que, gradualmente, chegaremos lá. A Justiça é a alma da democracia e a sustentação da livre iniciativa. Sem ela, é a selvageria e esta não sustenta o desenvolvimento de nenhuma Nação.