Título: Aftosa pode causar crise no setor
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2005, Economia & Negócios, p. B4

Se o governo não adotar uma série de medidas emergenciais para lidar com o surto de febre aftosa, o setor de carne pode entrar em crise por causa dos embargos decretados por vários países, dizem especialistas. Na opinião do presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína e ex-presidente do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo (Fundepec), Pedro de Camargo Neto, o embargo anunciado ontem pela União Européia (UE) terá conseqüências muito sérias para os exportadores brasileiros. A UE foi o maior importador de carne do Brasil de janeiro a agosto, comprando 224.691 toneladas (à frente da Rússia, que importou 200.165 toneladas). Juntos, UE, Rússia, Chile, Paraguai, Israel e África do Sul, os países que suspenderam as compras da carne brasileira, absorvem 50,4% de todas as exportações de carne bovina do Brasil - isto é, metade da exportação brasileira está ameaçada. O embargo da UE atinge Mato Grosso do Sul, foco do surto, Paraná e São Paulo. Vários dos principais frigoríficos do País ficam em São Paulo: o Bertin, o Independência e o Minerva. O Friboi fica em Goiás. "Isso elimina uma capacidade muito grande de vendas de carne. A inclusão de São Paulo no embargo surpreendeu", diz Camargo.

Para ele, é necessário implantar um plano de emergência. Em primeiro lugar, liberar com urgência cerca de R$ 200 milhões para a defesa sanitária. Em seguida, promover uma ampla campanha de vacinação, equipar os postos de controle das fronteiras e informatizar mais o controle dos rebanhos. Ele lembra que o Uruguai, em 2002, teve um grande surto de aftosa e levou dois anos para voltar a exportar.

"Desmontar o PIB da carne por causa de meros R$ 200 milhões é um absurdo", diz Camargo, referindo-se à verba necessária para a defesa sanitária. "A defesa sanitária custa pouco, enquanto o custo de uma recessão no setor de carnes será enorme."

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Marcus Vinícius Pratini de Moraes, também acha que uma ação certeira do governo será essencial para contornar a crise. "É preciso fazer a coisa direito - comunicar imediatamente os principais mercados sobre todas as medidas que estão sendo tomadas, e mandar veterinários qualificados para os principais países consumidores, para dar esclarecimentos."

INDIGNAÇÃO

Pratini demonstrou indignação com a negligência em relação à defesa sanitária. "A exportação de carne bovina chegou a US$ 2,5 bilhões nos últimos 12 meses - será que não dava pra gastar nem R$ 150 milhões para proteger esta receita?" O presidente da Abiec está na Alemanha em uma feira de alimentos, divulgando a carne brasileira. Para ele, muitos países vão se aproveitar do surto da doença para adotar medidas protecionistas.

O ex-ministro da Agricultura não vê motivos para um embargo internacional, do tipo que está se desenhando. "Não tem por que haver um embargo internacional. A febre aftosa não é doença da vaca louca. Trata-se de uma doença econômica, que reduz a produtividade dos rebanhos, mas não atinge os humanos." Segundo Pratini, ainda é difícil estimar o tamanho do prejuízo causado pelo embargo.

Para Camargo, a Argentina, principal concorrente brasileiro nesse mercado, deve ganhar espaço. Estados não embargados, como Mato Grosso e Goiás, também podem sair ganhando. E o surto de aftosa deve atrasar ainda mais a abertura do mercado dos EUA para a carne in natura brasileira.