Título: Governo sepulta próprias bondades com manobra de última hora
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2005, Economia & Negócios, p. B6

A "MP do Bem", anunciada como a grande iniciativa tributária do governo Luiz Inácio Lula da Silva para estimular a economia, morreu precocemente ontem por não ter sido votada pelo Congresso dentro do prazo. Assim, os incentivos para os investimentos voltados à exportação deixam de valer amanhã, quando acaba o período de 120 dias em que uma MP pode vigorar sem ter sido votada. A queda da MP foi provocada pelo próprio governo, que já não estava contente com o aumento do seu custo, depois das alterações incluídas no Congresso, e não quis recuar de um artigo polêmico de sua autoria: o que mandava adiar para o ano seguinte o pagamento de causas de até R$ 18 mil ganhas contra a União.

Hoje, essas sentenças são pagas em até 60 dias, na maior parte a aposentados que conseguem na Justiça a revisão de benefícios. O governo não abriu mão desse artigo. Na iminência de vê-lo aprovado, preferiu retirar sua bancada do plenário da Câmara e derrubou o quórum da sessão. Com isso, a MP perdeu sua última chance de ser votada.

Teoricamente, a Câmara ainda poderia continuar a votação amanhã, mas nenhuma sessão deliberativa foi marcada e, mesmo que fosse, dificilmente atingiria o quórum mínimo de 257 deputados. O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), deixou a sessão já dizendo o que o Executivo poderá fazer para tentar "ressuscitar" partes da MP.

"Vamos ver se há espaço jurídico para introduzir os benefícios originais em outro projeto de conversão de medida provisória, desde que não se crie mais um bonde onde todos tentam pegar carona", disse.

Entre as medidas da MP que já estavam em vigor e perderão efeito a partir de sexta-feira está a redução de impostos federais na compra de computadores populares, que faz parte do programa de inclusão digital.

A proposta original também incluía a antecipação da isenção de IPI para investimentos produtivos e a suspensão da cobrança de PIS/Cofins sobre máquinas e equipamentos adquiridos por exportadores.

De acordo com os números apresentados ontem por Chinaglia, o custo da MP teria pulado de R$ 3 bilhões, no formato original, para R$ 6,6 bilhões com as emendas da oposição.

O principal impacto adicional, no valor de R$ 1,8 bilhão, decorreu da duplicação dos limites de faturamento anual para enquadramento de pequenas e microempresas no Simples, o sistema simplificado de pagamento de impostos.

O custo adicional elevado foi a principal causa pela qual a equipe econômica preferiu ver a MP caducar. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, já havia anunciado que vetaria os novos limites do Simples.

"Infelizmente, a MP morreu e quem a derrubou foi o próprio governo, por uma decisão do presidente da República de não aceitar a aprovação do texto sem a emenda dos aposentados", disse o deputado Custódio Mattos (PSDB-MG), relator da MP na Câmara.

Os parlamentares chegaram a aprovar ontem, com voto simbólico e por unanimidade, o relatório do tucano sem o artigo que prejudicava os aposentados. Mas isso não passou de uma manobra governista para não assumir o desgaste de votar a favor da medida impopular.

Em seguida, os próprios líderes do governo pediram a votação em separado e com voto individual de outros trechos, mas a maioria dos parlamentares do PT e do PC do B não registrou voto. Entre os deputados do PT que deixaram de votar para impedir o quórum estavam Ricardo Berzoini (SP), Professor Luizinho (SP), José Mentor (SP), Jorge Bittar (RJ) e Carlito Merss (SC).

"Creio que quem saiu derrotado pela demagogia de alguns foi a sociedade. A oposição negou o pagamento dos aposentados quando era governo e agora posa de defensora desses mesmos aposentados", criticou Chinaglia.