Título: Mais do mesmo no PT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2005, Notas e Informações, p. A3

O Campo Majoritário deixou de ser hegemônico no Diretório Nacional do PT, perdendo na eleição concluída domingo passado 8 das 42 cadeiras que ocupava no colegiado de 81 membros. No entanto, a vitória do seu candidato (e do presidente Lula) ao comando da agremiação, o ex-ministro Ricardo Berzoini, indica que os escândalos da corrupção petista causaram escoriações mais leves do que talvez se pudesse imaginar ao sistema de poder cristalizado no partido ao longo dos últimos 10 anos - sob a égide dos pragmáticos de José Dirceu e em torno da meta por tanto tempo perseguida de levar Lula ao Planalto. A condução da legenda nos três anos que deverá durar o mandato de Berzoini tenderá a exigir dele e dos seus principais aliados menos centralismo e mais diálogo com as facções à esquerda do Campo, e concessões, sobretudo retóricas, aos críticos do modelo econômico - 'que é vitorioso', apressa-se Berzoini a ressaltar - do qual não se desviam nem um milímetro o companheiro Palocci e o seu chefe presidente. Mas as últimas coisas a esperar do PT é que tome distância de Lula e que promova a refundação prometida pelo interino Tarso Genro quando candidato à sucessão do renunciante José Genoino.

Sob Berzoini - como começou a ficar claro com a desistência de Tarso, por ter fracassado na tentativa de expurgar da chapa dos majoritários o nome de Dirceu - a sigla fará o que demandou dias atrás a ex-prefeita paulistana Marta Suplicy: 'Chega de ajoelhar no milho. Vamos nos concentrar na reeleição do presidente.' O máximo que o PT fez, na verdade, foi um ensaio de flexão corporal, sem jamais entrar em contato com os grãos pontiagudos que, nas escolas antigas, serviam para a remissão de pecados de indisciplina. Doravante, sob o imperativo da reeleição, qualquer sugestão nesse sentido, se é que haverá, cairá em exercício findo. No papel de bode expiatório, o ex-tesoureiro Delúbio Soares pagará com a expulsão pelo que fez - e pelo que outros fizeram ou mandaram. Nenhum dos outros hierarcas petistas que, primeiro, fizeram Lula 'se sentir traído' e agora estão absolvidos por ele sofrerá o mesmo castigo. De seu lado, o ex-ministro Dirceu, se e quando se tornar ex-deputado, o que ele parece dar como certo desde há alguns dias, será a eminência parda de um partido cujo novo presidente é conhecido por sua fidelidade a ele. 'Podem me cassar, mas vou fazer política até morrer', promete (ou ameaça) Dirceu. A suspensão dos direitos políticos não impedirá que o faça no seu 'hábitat' natural.

Os controladores do PT e não poucos dos controlados querem virar o mais depressa possível a página do mensalão e não querem ouvir falar de autoflagelação. Nesse sentido, a entrevista de Berzoini no Estado de ontem não deixa qualquer dúvida sobre o passamento da tese da refundação. Primeiro, ele naturalmente parte da premissa oficial de que tudo se resumiu a uma 'ilegalidade eleitoral' - o recebimento e o repasse de dinheiro de caixa 2 - 'algo muito comum na política brasileira'. Nenhuma referência a suborno de deputados, nenhuma alusão heterodoxa à origem da dinheirama manipulada pela dupla Delúbio-Marcos Valério. É bem verdade que já é um avanço falar em 'ilegalidade' em vez de 'erro', à maneira do complacente Lula. Mas também para Berzoini, como para o presidente, os autores da ilegalidade não podem ser acusados de corrupção.

Corruptos eles seriam se tivessem se apropriado dos recursos omitidos da Justiça eleitoral para fins pessoais. A rationale não é nova. A moralidade petista autoriza até a extorsão (a exemplo de Santo André), desde que para fins partidários. Daí o ex-ministro do Trabalho clamar 'contra o linchamento de lideranças' e, mais enfaticamente ainda, avisar que não agirá 'como carrasco, aceitando a discriminação contra o PT como dado da realidade'.