Título: Desarmamento não é mágica
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Metrópole, p. C3

O debate sobre desarmamento não é novidade para Philip J. Cook, professor do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Cook pesquisa o tema desde 1975, dois anos depois de começar a ensinar na universidade. Nos últimos 30 anos, publicou mais de 40 artigos em revistas acadêmicas e três livros, entre eles Guns in America: National Survey on Private Ownership and Use of Firearms (Armas nos EUA: Pesquisa Nacional sobre a Posse e o Uso de Armas de Fogo). Aos 59 anos, Cook admite que a questão é polêmica, mas diz que se manteve fiel aos resultados das pesquisas. Embora ache que o desarmamento não reduzirá a violência no Brasil, acredita que algo precisa ser feito, em virtude do alto número de homicídios. No ano passado,a Academia Nacional de Ciências dos EUA realizou um grande debate sobre a questão das armas. Uma das conclusões foi de que os dados estatísticos são incompletos. Como é isso? Quem é contra o desarmamento encontra dados para sustentar sua posição e quem é a favor também?

Concordo que o assunto é complicado, mas há, sim, como ter algumas certezas. Os criminosos escolhem as armas que estão à disposição. Outra é que o uso de uma arma de fogo num assalto aumenta as chances de a vítima morrer. Nesse sentido, as armas intensificam a violência. Quanto a esses assuntos, não há discordância. Nas cidades em que existe uma grande quantidade de armas, o número de assassinatos é mais alto. O índice cresce à medida que a presença de armas aumenta. O número de assaltos com armas também é mais alto.

Em que medidao fato de os criminosos saberem que suas vítimas estão desarmadas não é um estímulo para novos assaltos?

Há uma certa polêmica sobre o quanto a posse de armas funciona como um fator de autodefesa. As pessoas acham que, se moram em comunidades com grande quantidade de armas, os criminosos terão menos incentivos para assaltar as casas. De acordo com as pesquisas que realizei, isso não acontece. Ao contrário. Nos lugares onde há mais armas, o número de arrombamentos é maior.

De zero a 10, qual é o grau de dificuldade de se colocar uma política de desarmamento em prática?

É verdade que é difícil colocá-la em prática. Por isso, não sei o benefício que isso traria ao Brasil. Na Austrália, foram tomadas medidas para diminuir o acesso a armas de fogo. Usar esse exemplo para avaliar os efeitos do desarmamento é difícil porque os números de homicídios já eram baixos antes.

Se o desarmamento for aprovado no Brasil, é bastante provável que os criminosos não tenham muitos problemas para adquirir novas armas. Quais seriam os benefícios de um desarmamento que atingisse só os cidadãos que obedecem às leis?

Nos EUA, mais gente morre em suicídios do que em homicídios. A maior parte das tentativas de suicídio não dá em nada. Mas, quando os suicidas usam armas de fogo, quase sempre morrem. Nas casas nas quais há armas, o índice de suicídio é maior. Isso é particularmente importante quando são jovens que tentam se matar.

O índice de homicídios de Nova York é entre 8 e 15vezes superior ao de Londres. Em que medida os índices de violência são influenciados por características perenes das sociedades?

Os índices de homicídios são influenciados por uma conjunção de fatores. Basicamente estão relacionados aos níveis de violência e aos tipos de armas disponíveis. Historicamente, uma parcela dos americanos andou muito armada. Particularmente no interior, nas fazendas. E, nesses lugares, o número de homicídios é baixo porque há pouca violência. Acho que isso explica, em parte, as diferenças entre Nova York e Londres.

Por que o número de homicídios cresceunaInglaterradepoisdaproibição de alguns tipos de armas?

Há muita desinformação nessa área. O debate é muito ideologizado. É preciso encontrar fontes de dados isentas. Algumas pesquisas, como a feita pela Universidade de Chicago, mostram que não houve aumento de mortes na Inglaterra.

Odesarmamentodiminuiráonúmero de crimes no Brasil?

Sinceramente, não acho que o desarmamento no Brasil, mesmo que seja implementado de forma exemplar, mudará a quantidade de crimes e o nível de violência. A esperança é diminuir o número de assassinatos e o pânico das pessoas que são vítimas de assaltos. Mas o número de assaltos, arrombamentos, estupros deve se manter o mesmo. Não há mágica nessa área. A única coisa que se pode esperar é a redução da intensidade da violência. Para avançar, é necessário mais do que desarmamento. No curto prazo, é preciso contar com uma força policial honesta e motivada.

O senhor tem arma em casa?

Tenho um rifle 22. Uso para matar animais, se necessário.

O senhor é a favor do desarmamento nos EUA?

Não. Acho que há outras formas de desmotivar o uso de armas. Um sistema nacional de licenças e registros ajudaria a polícia. O tema do desarmamento é muito polêmico nos EUA. E o número de mortos não é tão grande assim.

O senhor é contra o desarmamento em geral ou depende do país?

Países que enfrentam grandes crises, como o Brasil, talvez tenham vantagens com o desarmamento. O fato de o Brasil ser o número 1 do mundo em homicídios é uma boa justificativa para medidas mais fortes.