Título: A Arquidiocese de São Paulo vai em busca dos fiéis. De porta em porta
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Vida&, p. 22
Como em outras religiões, cerca de 500 grupos de missionários católicos percorrem as casas, dentro de programa de evangelização
Seu Antônio não gostou nem um pouco de ouvir o som da campainha em pleno sábado à tarde. Ele tinha trabalhado a noite inteira e demorou para pegar no sono. Mesmo assim, levantou, desceu as escadas do sobrado, abriu a porta. Estranhou muito o que viu. Era um grupo de senhoras sorridentes, se apresentando como missionárias da igreja. A pergunta foi imediata: "As senhoras são crentes?" Não. Eram da Igreja Apostólica Romana, como se dizia antigamente. Aquilo foi mais estranho ainda. "Poderíamos entrar para ler um trecho do Evangelho e dar a bênção ao senhor?" Ele respondeu, educadamente: "Desculpe, estou ocupado agora. Vocês voltem outro dia, tá?" Sem se abalar, o grupo se afastou da casa de seu Antônio decidido a ter sucesso na próxima visita. E foi o que aconteceu.
A cena descrita é só uma das tantas enfrentadas pelos grupos missionários da Arquidiocese de São Paulo ultimamente. Em 25 de janeiro de 2004, nos 450 anos da cidade de São Paulo, o cardeal da arquidiocese, d. Claudio Hummes, lançou oficialmente um programa de evangelização que tem como objetivo ir atrás do fiel na casa dele. Literalmente. O plano de ação vai comemorar dois anos em janeiro e é um sucesso: já conta com cerca de 1.500 grupos de missionários leigos na cidade (veja quadro), que batem de porta em porta em média a cada 15 dias.
ORIGENS
Não existe ainda um balanço total ¿ o programa está previsto para terminar em 2007 ¿, mas os primeiros dados começam a ser divulgados, por etapas. Um dos grupos mais ativos, o da Paróquia de São Judas Tadeu, do bairro do Jabaquara, na zona sul, tem resultados animadores: das 600 casas visitadas, 364 deixaram o grupo entrar. "Em tempos de violência e descrédito, isso é muito bom", analisa Terezia Dias, a líder do grupo.
Os católicos estão, na verdade, voltando às origens da Igreja para recuperar a sua maior identidade, que é justamente a missão. O próprio Evangelho mostra que há 2 mil anos era comum sair a campo: "Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei", disse Jesus a seus discípulos, na última frase do Evangelho de São Mateus.
D. Claudio complementa. "Uma Igreja missionária sai em busca dos católicos afastados e daqueles que pouco ou nada conhecem de Jesus Cristo e seu reino. Ela faz isso porque é essencialmente missionária. Hoje, no entanto, a Igreja é também movida pela evasão preocupante de católicos para outras crenças", diz o cardeal.
AMEAÇA
Pesquisa sobre o trânsito de fiéis do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) divulgada na última assembléia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no início de agosto, revelou que o número de católicos caiu de 73,9% para 67,2% em cinco anos. E os pentecostais são o grupo de evangélicos que mais atrai fiéis da Igreja Católica. De 15,2 milhões de brasileiros que mudaram de religião, 58,9% trocaram a fidelidade ao papa por uma igreja evangélica pentecostal, enquanto 13,8% preferiram igrejas evangélicas históricas e 16,3% se filiaram a outras religiões.
"Há até bem pouco tempo, um católico teria vergonha de bater na porta do fiel. Essa busca sempre fez parte de religiões mais novas. O comum era receber a visita dos seguidores da Testemunha de Jeová ou dos mórmons, por exemplo", afirma o teólogo Afonso Soares, professor de Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica (PUC). "A Igreja nunca deixou de ser missionária, mas o foco era só no fiel praticante. Até o dia em que ela se sentiu ameaçada com o crescimento de outras religiões e o número de praticantes começou a despencar."
"COMO FAÇO?"
Nos anos 70, a Igreja, por meio das Comunidades Eclesiais de Base, ensaiou uma espécie de evangelização prática, criando comunidades em nome do Evangelho na luta por ideais. Mas era diferente. A ênfase era muito mais na transformação da realidade social por meio da espiritualidade. "Hoje, os missionários têm de explicar o catolicismo para o fiel", completa Soares.
Uma das situações enfrentadas pelo grupo de missionários da Paróquia de São Judas Tadeu mostra bem isso. Há um mês, as integrantes Terezia e Izabel Vieira ouviram uma pergunta sobre o catolicismo inimaginável há alguns anos. Enquanto esperavam na calçada por outras missionárias que liam trechos do Evangelho num cabeleireiro, as duas foram abordadas pelo segurança da rua. "Estou vendo no crachá de vocês que são da Igreja São Judas", afirmou ele. "Podem me dizer como faço para batizar um sobrinho?"
As missionárias não só deram os horários dos cursos de batismo da Igreja como aproveitaram para "puxar a ficha" do segurança. Ele raramente ia à missa. A primeira justificativa para a ausência foi falta de tempo. Uma apertadinha a mais, ele acabou dizendo: "Sei lá, acho que falta convite para ir à Igreja". Terezia disse, então, que ele estava convidado.
Uma das primeiras coisas que um missionário observa assim que entra na casa de alguém é ver se ele tem algum ícone religioso. "É mais fácil quando tem um santo, por exemplo", diz a missionária Izabel Vieira.