Título: `Revisão da Carta é só promessa¿
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Internacional, p. A16

Membro do comitê de redação diz ao `Estado¿ que referendo teria de ser adiado para se chegar a um consenso

Maria Teresa de Souza

O político, ex-diplomata e professor universitário iraquiano Sadoun Al-Zubaidi, de 57 anos, não ficou satisfeito com o texto da nova Constituição e aderiu à campanha do "não" no referendo realizado ontem no país. Em entrevista por telefone de Bagdá, ele se define como político independente, liberal democrata. Fez parte do grupo de 28 sunitas da comissão de redação da Carta e integra uma coalizão de entidades, partidos e personalidades da oposição árabe sunita, que se queixam de discriminação pelo governo de maioria árabe xiita e curda. Zubaidi defendia o adiamento do referendo, numa tentativa de alcançar o consenso entre xiitas, sunitas e curdos. Por que a maioria dos grupos sunitas rejeitou a mudança feita na quarta-feira no texto da Constituição?

Porque era um plano para persuadir os iraquianos a votarem a favor. Não muda nada. Inseriram no texto uma cláusula estabelecendo a criação de um comitê que estudará por quatro meses mudanças na Constituição. Ora, se admitem que o texto não é bom, por que o levaram a referendo? Tudo o que deveríamos ter feito era adiar o referendo, pelo mesmo tempo que decidiram que esse comitê terá para fazer as alterações. Esse acordo é apenas uma promessa.

Que mudanças seu grupo defende?

No início, havia 12 pontos de divergência, que caíram para 6. A coalizão majoritária no Parlamento (xiitas e curdos) prometeu mudar um item sobre a identidade do Iraque, deixando claro que o país é parte da nação árabe. Mas não alteraram o preâmbulo, que consideramos sectário e divisionista. Uma outra questão importante é a das autonomias, descritas como regiões federais. Não nos opomos à uma região autônoma nas três províncias curdas. Os curdos têm seu próprio idioma e cultura e já vivem uma autonomia de fato há uns 13 anos. Mas o Parlamento quer expandir a idéia de autonomia para outras províncias. Não concordamos. Acreditamos numa administração descentralizada, mas a segurança, os assuntos externos, a exploração do petróleo e de outros recursos têm de ficar com o governo federal. Nosso país é muito fraco. Tememos que o federalismo possa levar à influência de outros países no Iraque. Outra divergência: o processo de desbaathização (exclusão dos membros do Partido Baath, de Saddam Hussein, de cargos públicos). A Constituição não deveria proscrever grupos, entidades. Isso é sectarismo. Nos casos em que as pessoas cometeram crimes, devem ser julgadas pela Justiça.

Os defensores da autonomia dizem que os sunitas se opõem porque nas províncias em que são majoritários há poucas reservas de petróleo.

É uma falácia. É uma desculpa inventada por mentes degeneradas, que só pensam em termos de dinheiro. Eles não são capazes de aceitar os autênticos nacionalistas. O Iraque é um grande produtor de petróleo. Não podemos ter uma situação em que o produto seja dividido porque isso causaria competição entre as regiões. As reservas de petróleo não estão numa só região. As fontes perpassam várias províncias. Nós temos de manter a unidade do país.

O adiamento do referendo chegou a ser cogitado?

O governo não ousa desafiar o cronograma fixado por Paul Bremer (o diplomata americano que administrou o Iraque após a invasão). Tinham um medo incrível de mudar a data porque o presidente George W. Bush estava pressionando para que o referendo não fosse adiado, para ele poder dizer: `OK. Estamos cumprindo o nosso programa¿. Então, preferiram fazer uma mudança de última hora e dar apenas dois dias para o povo iraquiano decidir se diz sim ou não. É uma ditadura do Parlamento. Primeiro, a coalizão majoritária tentou mudar os requisitos mínimos para aprovação da Constituição, tirando das províncias de maioria sunita o direito de rejeitar o texto. Como houve forte pressão internacional, até dos EUA, fizeram esse acordo para emendar a Constituição no ano que vem. O Partido Islâmico Iraquiano (sunita, que apoiou o acordo) na verdade estava infiltrado na nossa frente de oposição. Apenas duas semanas atrás diziam que iriam rejeitar o texto. Isso pode ser definido como uma conspiração para nos dividir. Esse partido surgiu ainda antes do colapso do antigo regime, como parte da ocupação. Colaborou com Bremer e foi membro do Conselho de Governo nomeado pelos EUA.

O sr. defendeu o boicote?

Não, a frente encorajou o povo iraquiano a não jogar fora seu direito de dizer sim ou não. Somos democratas. Trabalhamos duro pelo consenso sobre a Constituição. Continuaremos a ser parte do processo democrático.

Segundo o governo, aumentou bastante o número de registros de eleitores sunitas. A oposição contesta. Que dados o senhor tem?

O número de registros nas áreas sunitas foi pequeno principalmente por causa da violência. Esta semana as forças dos Estados Unidos e do Iraque continuavam com ofensivas contra os insurgentes. Não se pode realizar um referendo em meio a um conflito como esse. Na Província de Anbar (no oeste), de umas 700 mil pessoas com direito a voto, não mais de 80 mil se registraram.

O sr. tem contato com os rebeldes que promovem ações armadas? Já manteve negociações com eles?

Não tenho. É claro que eles estão lutando contra a ocupação. Sou contra a ocupação do Iraque, mas minha opção é a resistência por meios pacíficos