Título: Cerveja paga imposto até última gota
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Economia & Negócios, p. B6

Medidores de vazão são a maior arma da Receita contra a sonegação das cervejarias e podem ser usados em outros produtos

ITU - Hopfen und malz, Gott erhalts. Em português, 'com lúpulo e malte, Deus protege'. A frase não soaria irônica se não estivesse impressa numa parede da segunda maior cervejaria do País, a Schincariol. Alvo da maior operação federal contra suposta sonegação fiscal no mercado de bebidas (a Operação Cevada), a companhia procura assimilar o petardo. Ainda aguarda para responder a uma denúncia formal. Refeita da ofensiva, a cervejaria abriu a fábrica de Itu, interior de São Paulo, pela primeira vez a uma equipe de reportagem depois da operação federal que recolheu documentos e prendeu diretores e acionistas.

Queria mostrar que pelas linhas de envase correm os mesmos volumes de cerveja que antes. Sabe que talvez seja a última a enfrentar ação desta natureza, classificada recentemente pelo comando da Receita como 'educativa' ao mercado. Última por razão simples: mais eficaz do que a política do terror ou o velho postinho fiscal à beira do portão tem sido um sistema silencioso, instalado em todas as linhas de envase da indústria de cerveja do Brasil. Na Schincariol, está em 31 linhas de envase em sete fábricas. Em breve, estará em 33 linhas. São 168 corredores de enchimento de cerveja em todo o Brasil equipados com medidores de vazão. Apenas 11, de pequenas cervejarias, teimam em não adotar o sistema. Uma invenção que deu à Receita Federal a informação definitiva: quanto cada uma das 50 indústrias de cerveja do País produz a cada dia, semana, mês, a cada ano.

O dado é acessado a qualquer hora do dia ou da noite. Tão bom que o modelo implantado na bilionária indústria de cerveja, cujo faturamento bruto deverá superar os R$ 18 bilhões este ano, servirá de modelo para avançar sobre a fabricação de outros produtos, como refrigerantes (durante o primeiro semestre de 2006) e água (ao longo do segundo semestre do ano que vem). Não pára por aí.

Os medidores serão adotados, informa a Receita Federal, no controle da produção de bebida destilada, vinho e espumante. Mas o projeto deve ganhar outros setores, tão problemáticos quanto o de bebidas. De acordo com Paulo Ricardo de Souza Cardoso, secretárioadjunto da Receita Federal, o xerife da fiscalização em todo o País, o órgão avalia projetos para adotar medidores nas usinas de produção de álcool hidratado e anidro, além de adaptar o sistema para a indústria de cigarros. 'O mercado de álcool tem alta capacidade de evasão fiscal. Não há dados sobre o tamanho da sonegação, a Receita apura isso neste momento e observa também qual a tecnologia mais adequada para controlar esse problema', diz Cardoso.

O secretário-adjunto afirma que os medidores farão no mercado de bebidas (cuja sonegação varia entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões por ano) o mesmo que fazem agora no setor de cerveja. Relatório preliminar da Receita Federal mostra que em algumas cervejarias, cujos nomes não foram divulgados, houve aumento de até 43% no recolhimento de impostos federais. 'Houve casos de elevação de 22% no pagamento de tributos', diz o secretário-adjunto.

No primeiro semestre deste ano, a Receita Federal informou que o conjunto da indústria cervejeira pagou R$ 1,25 bilhão em impostos. No primeiro semestre do ano passado pagou R$ 1,1 bilhão. No período, elevação de 13,63%. Vale dizer que as vendas do primeiro semestre de 2004 foram ruins, o que produz um efeito estatístico. A evolução do mercado na comparação entre os dois períodos havia crescido 8%, de 3,889 bilhões para 4,2 bilhões de litros, segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).

Mas mesmo assim, o recolhimento de impostos superou o crescimento entre os períodos. A diferença é atribuída ao novo comportamento do setor. Tendência que, segundo a Receita, se manterá este ano. O pagamento de impostos federais pelas cervejarias entre 2003 e 2004 cresceu 13%, chegou a R$ 2,5 bilhões. Os cofres ficarão mais cheios este ano: R$ 3 bilhões em arrecadação de tributos é a aposta de Cardoso, 20% superior.

As informações de produção não servem apenas ao governo brasileiro. Hoje, 18 Estados já têm à disposição os dados de produção da indústria de cerveja, a partir de um protocolo de cooperação assinado com as secretarias estaduais de fazenda. 'Creio que esta observação de aumento na arrecadação de impostos federais também foi observada pelos Estados em relação ao ICMS', pondera Cardoso. O uso do sistema para controle de outros produtos ajudará os órgãos estaduais de Fazenda no combate à sonegação. É desejo da Receita Federal disponibilizar estas informações. Em troca, ganha apoio local na fiscalização.