Título: Credores batem à porta de Canhedo
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Economia & Negócios, p. B5

Atolado em dívidas e com patrimônio indisponível, empresário assiste ao desmanche de suas propriedades agropecuárias

A entrada da Vasp em recuperação judicial na última semana deu alento ao empresário Wagner Canhedo. Amigos com quem teve contato nos últimos dias contam que ele espera ver a empresa recuperada para poder vendê-la. 'Sua esperança é que apareça alguém que assuma o passivo, tendo como respaldo o crédito que ele tem a receber da União', diz uma pessoa próxima. Canhedo anda amargurado desde que o Banco Rural obteve na Justiça uma ordem para levar 46.520 cabeças de gado - de um total de 120 mil - de sua fazenda Piratininga, às margens da Ilha do Bananal, na divisa de Goiás com Tocantins. A cada dia, de 27 de abril a meados de junho, 40 caminhões saíram da fazenda carregando bois. Após o abate, o banco terá recuperado R$ 32 milhões dos R$ 70 milhões devidos pela Vasp. O resto, o Rural tenta reaver em uma ação de arresto do prédio do Hotel Nacional de Brasília, de propriedade da aérea.

A retirada dos bois foi apenas o início do desmanche do megaempreendimento rural. O Bic Banco também tenta reaver seus créditos em bois. Nos próximos 30 dias, a Procuradoria do INSS, para quem o grupo Canhedo deve R$ 945 milhões, vai pedir a penhora das duas fazendas do empresário. Como parte do mesmo processo, todos os seus bens já foram bloqueados pela Justiça.'A única coisa que ele quer é livrar as fazendas', diz outra fonte próxima de Canhedo. A Piratininga, em São Miguel do Araguaia, com 600 mil hectares, equivalente a quatro vezes a área da cidade de São Paulo é, de longe, uma das maiores propriedades agropecuárias do País. Ao contrário do estado de sucatamento de suas principais empresas, Vasp e Viplan - esta última concessionária de transporte urbano em Brasília -, a fazenda esbanja riqueza. A sede, onde Canhedo passa os finais de semana, tem 2 mil metros quadrados. Uma rede de mil quilômetros de canais de drenagem tornam o solo - outrora alagado - próprio para pastagem o ano todo. Visitantes dizem se sentir na Holanda.

Dá até para andar de lancha e esquiar nos canais. O crescimento da fazenda coincide com a decadência de suas empresas, em especial daVasp, que chegou a representar 60% do faturamento do grupo formado por mais de dez empresas. Canhedo começou a comprar terras aos poucos, no fim dos anos 70. As benfeitorias mais faraônicas, porém, começaram a ser construídas depois de 1990, ano em que adquiriu a Vasp - em um leilão de privatização para o qual contou com a ajuda financeira do amigo Paulo César Farias, o ex-tesoureiro de Fernando Collor.

Diferentemente dos trabalhadores da Vasp, dos quais ele recolhia benefícios mas não repassava ao INSS, os funcionários da fazenda são bem tratados. Têm escola, posto de saúde, igreja e 60 sobrados. O enriquecimento das fazendas se acentuou ainda mais a partir de 2000. Apesar de um rebanho de 180 mil cabeças, considerando as duas propriedades, as fazendas nunca deram lucro, garantem pessoas próximas. Como a margem na criação de gado é baixa, nesse mercado as propriedades costumam ter um baixo custo de manutenção.

A Vasp também nunca conheceu lucro. Mas tinha um giro considerável de R$ 1 bilhão por ano. A empresa viveu seu período áureo, sob o comando de Canhedo, justamente na era Collor, que promoveu a abertura do mercado internacional. Vieram os vôos para Europa, Estados Unidos e Japão, mas que duraram pouco. Até 19 de janeiro, último dia em que pisou na Vasp, o empresário, que mora em Brasília, ia de segunda a quinta-feira, de jato executivo, para São Paulo - sem se importar com os altos custos envolvidos no trajeto. 'Ele não tinha planejamento algum', conta um executivo que trabalhou na Vasp. 'Na hora dos pagamentos, ele escolhia quem ele queria pagar.' Tributos era como se não existissem. Costumava dizer que dívida com governo não se paga. Por conta disso, já teve a prisão decretada duas vezes. Em 2004, passou uma noite no xadrez.

Com os amigos, Canhedo é gentil. No dia-a-dia com subordinados, explosivo. Publicamente, faz o tipo modesto. Anda sem segurança e dirige uma Caravan velha. Mas dois de seus quatro filhos não se furtam em exibir suas Ferraris - cada um com a sua - pelas vias de Brasília.