Título: Quando a rede é meio de intimidação
Autor: Luciana Garbin, Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Metrópole, p. C1,3

Agressões são feitas geralmente por pessoas da mesma idade e, diferentemente do velhos trotes e bilhetinhos, ficam expostas a todos

A maioria dos casos de injúria e difamação online não chega aos registros policiais. São as agressões conhecidas como cyberbullying - versão moderna do bullying, que não tem tradução, mas é velho conhecido de estudantes brasileiros. Trata-se de uma forma de agressão, física ou verbal, que intimida e humilha. "Antigamente, as ofensas vinham no máximo num trote telefônico, que ficava entre duas pessoas. Agora, ficam abertas a todo mundo", diz o chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia do Rio, Fábio Barbirato. "Tenho paciente com histórico de tentativa de suicídio, vítima de um site onde, além de falarem mal, puseram montagens dela sem roupa."

A psicóloga Luciana Ruffo, colaboradora do Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática da PUC-SP, confirma: "O que antes existia dentro de um colégio, com bilhetinhos, agora está aberto a todos na rede".

Outro agravante da internet é favorecer o anonimato. Muita gente se sente protegida para ameaçar, por meio de mensagens sucessivas - e-mail ou celular -, roubo de senha do MSN e criação de comunidades. Ganha apoio e enche páginas com discussões do tipo: Como você mataria a gorda? Quem é seu alvo preferido?

"A rigor, é criminosa qualquer ofensa moral, que caia na definição de injúria (ataca a honra e o valor que a pessoa tem de si mesma) ou difamação (imputa fato desabonador à pessoa e atinge o conceito que outros fazem dela)", diz a promotora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude Martha de Toledo Machado, que escreveu com o psicólogo Fernando Falabella Tavares de Lima a tese Bullying - Reflexões para a Construção de Indicadores de Atuação das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude. "Mas a situação do adolescente em relação a isso é diferente. É próprio da idade aprender transgredindo regras. Querer tratar o problema com intervenção judicial será não só injusto como irracional."

Já houve casos, diz ela, que levaram a medidas socioeducativas leves, mas nenhum a internação. Numa época, porém, em que milhares de jovens passam o dia na internet, Martha acha que a sociedade não pode se omitir diante da questão. Mesmo porque já começam a aparecer casos graves: um menino gordinho foi vítima de um blog chamado Vamos Bater no Repolho, que não ficou só nas ameaças. Uma menina mudou três vezes de escola para escapar da perseguição de colegas.

No Rio, dois adolescentes foram internados provisoriamente no Instituto Padre Severino após divulgar cenas de uma relação sexual de uma colega. A psicóloga Luciana lembra que desmoralização mexe com a auto-estima e pode virar trauma. "Na internet a agressão não envelhece", diz o psiquiatra Barbirato. "Toda vez que a vítima ligar o computador vai lembrar que o seu nome está ali."

E o que fazer? Especialistas defendem que, a não ser em casos mais graves, a questão seja tratada na família e na escola, tanto com prevenção - medidas que valorizem o respeito ao outro - quanto com repressão, punição dos pais ou disciplina no colégio. Mesmo porque bullying não é classificação jurídica. Só pode haver julgamento se houver lesão corporal, injúria ou outro crime.

Para Martha, quando a escola entra em ação, a vítima se sente valorizada. "A sanção socioeducativa não dá uma resposta tão direta." Barbirato diz que falta limite a jovens que fazem isso. Para adultos, o diagnóstico é outro. "Deve procurar ajuda porque é imaturo e não tem assertividade de encarar."

Aos poucos, surgem comunidades para rebater o bullying, incentivando discussão e denúncia. Criado há um ano, o Telefone Amigo da Criança e do Adolescente (Teca), da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) e do Instituto Telemar, orienta vítimas e pais sobre como proceder. O serviço funciona das 10 às 16 horas no número (0xx21) 3860-0665.